24 de dezembro de 2004

Conversas Ordinárias.

Eu às vezes sinto que sou o cara que mais deixa más impressões por aí. E foi por ficar sem resposta (decente) que senti-me no impulso digitador de palavras a este blog.

Eis que essa mais nova má impressão ocorreu por telefonema. Resumo da coisa: quero sair com ela pra conversar; mas olha, sou chato, fico atrás, e quando desencano por um tempo, o desejo vem em forma de veneno, pontada, cutucada irônica. E... tcha-rân! — É claro que passei a tal da impressão errada.
— Sinto-me cobrada. — E na hora eu notei que tinha feito besteira; (ou não).
— Não, não é isso... desculpa se dei essa impressão... — e mais blá-blá-blás de quem não sabe como voltar atrás e apagar o incidente; mas, pensando comigo mesmo, talvez seja cobrança mesmo; a culpa é dos canais, dos meios de comunicação e do uso errado que fazemos deles; aliás, errado, não: desperdiçado.

Mas em homenagem, vou dedicar esse texto a todos os extraordinários que eu conheço.

— Sim, sim, extraordinários!
— Oras, mas que porra é isso que ele tá falando agora?
— A porra de que eu falo é a porra dos assuntos às vezes sem pé nem cabeça que conversamos por aí. Como dizia o Coelho (pelamor, não é o Paulo), “são por essas conversas que tornamos nossas vidas menos medíocres”.

Dostoiévsky, em seu ‘Crime e Castigo’ (3º melhor livro na minha lista; só perde para ‘1984’ e ‘Admirável Mundo Novo’ e todas as suas metáforas), fala que existem pessoas ordinárias e extraordinárias — para Nietzsche, seria os Super-Homens do mundo. Mas o grande problema que eu vejo é que há muitos ordinários que pensam ser extra (pelo menos, é com merda que se aduba novas sementes). — Eu não vou me meter a dizer quem é extra e quem é reles, porém uma coisa que sinto fortemente é a percepção de quem tenha potencial. Não em mim, é claro, mas principalmente nas mais misteriosas pessoas; sempre com um olhar de cúmplice, um papo de dez palavras que valem por um livro todo, e por aí vai. E quando há chance de conversar, posso jurar que nunca sai um papo... ordinário.

Não foi Jesus que disse “deixai vir a mim as criancinhas, pois delas será feito o reino dos céus”? — Eu, como bom ou mal apreciador de simbologia e metáforas, considero que Jesus, se realmente existiu, era O cara (e a igreja, a coroa); e como todo extraordinário, sabe dizer por metáforas, dizer pelo não-dizer. E creio que “as criancinhas” são uma metáfora muito além da interpretação de “inocência e pureza”; acredito que isso seja uma apologia ao discurso não-adulto (ou adúltero - ao amor), quero dizer, da liberação da mente para conversas sobrenaturais; as tais "conversas extraordinárias". Afinal, a criança-criança não tem ainda o bom senso, então não priva suas emoções de virem à tona. Deixemos fluir, fluir ao infinito, pois só assim é que se alcança o máximo estado “de espírito” — o tal do céu.

Eu realmente acredito que seja isso; prefiro crer assim do que achar que Jesus previa o infanticídio. (turupish!) — “Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu.”

E foram dos assuntos extra que surgiram os clássicos, as obras mais humanas. Mas quem disse que a galera lê clássico? Lê nada! Vê novela! Vê auto-ajuda! Lê horóscopo! Consome mitos nas marcas e heróis nos programas! E por quê? Porque precisam disso! — Elas sufocaram a criança com a razão, e somente (se somente) com as intimidades é quando ou com quem deixam-na brincar pelo jardim das idéias!

Tudo isso eu sinto, eu cheiro, mas não sei explicar. “Louco, sim, louco porque quis grandeza [...] Não coube em mim minha certeza” — É meu ponto mais fraco, sinto muito, padre.

Queria ilustrar o que se passa aqui antes de dizer qual é o meu pressentimento; para quem não estiver acostumado com o termo, meu feeling: Sabe por que quero te ver fora do cercadinho? Porque eu sinto que pode ser legal, que pode ser memorável; não importa o lugar, não mesmo! Importa é que o ambiente seja mero resultado da troca de energia, da troca de idéias; da troca! E como ter isso pelo MSN? Ou ainda pelo telefone, que priva o gesto da cena? Uma hora por Internet não valem dez minutos de conversa de verdade. Sabe, o MSN é realmente útil para falar com aquelas pessoas que você não quer ligar, não quer sair, não vê a muito tempo, e etc. Aproxima, de uma certa forma; mas também bloqueia: a minhoca faz o seu canal e seu caminho pela terra; mas quanto mais intensa for sua energia, mais rapidamente haverá irrigação, e será arejada a semente que florescerá.
— Não é cobrança. É sentimento de falta; de quero-mais; de olhar de relance e dizer “Cara... como eu quero conhecê-la!”, mas em vez de gestos e conversas cara-a-cara, apenas alguns caracteres tela-a-tela.

“Por isso onde o areal está/ Ficou meu ser que houve. Não o que há.”

É frustrante; nada foi prometido, eu sei; mas na louca mente, perceber é acreditar.
Na hora do telefonema não veio nada disso à mente. Sei que pode ser meio vergonhoso escrever as idéias, em vez de dizê-las; mas como eu bem me conheço, esperar para depois esfriaria a lava que lava. Estou lavado, vê? ? — Mas até que não é vergonhoso: libertai as crianças, e flutuareis leve como no céu.

“Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor.”

O que eu escrevo pode ser ordinário; mas o que me impulsiona é o extraordinário. E para gente assim, eu não desejo o MSN.
Beijos.
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Nota de rodapé: Comecei escrevendo pensando em uma pessoa, mas terminei com várias. Se eu indiquei esse texto a você que lê agora, considere que eu o percebo como "potencialmente" extraordinário.
E se você for comentar, coloque seu nome na assinatura, para eu saber quem foi. (não precisa se registrar no Blogger, ok?)
Os versos em itálico são de “Mar Português” e “D. Sebastião, Rei de Portugal”, ambos de Fernando Pessoa.

20 de dezembro de 2004

Propaganda pra burros.

“A tribo dos modernos faz as compras de Natal na Skol Webstore.
A dos yanomamis prefere o shopping lotado mesmo.”
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[...]
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— Não, obrigado. — Nem silvícola, nem nazista.
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15 de dezembro de 2004

Eu acredito em deuses; — é o que faz aquele que necessita do outro, pois não é por si só [...].

Foram semanas de ausência, sim, confesso. Traí minha própria promessa, sim, confesso. — Mesmo sendo a poucas pessoas que apreciam o blog, ou que sentem pena de mim; (sim, confesso). — E agora meus dedos estão gordos; as vias por onde fluem as idéias têm colesterol ruim; e as artérias do coração quase foram entupidas.

“Ó, perdoe-me por desobedecer-te. Por ceder às exigências da carne; por não te corresponder quanto a anseios. O senhor é meu pastor; talvez tudo me falte.” — Dizia eu a quem eu mais acredito: ao espelho; à criança que dorme.

Agora eu digito; — não é escrever, é digitar. Não quis fazer rascunho do que ia dizer, e sim começar e descobrir aonde chegar. O clima está frio, e como meu motor também funciona a álcool, talvez morra logo após a partida.

Nesses dias, a pressão da faculdade impediu idéias. Sei que um não estão opostas à outra, mas... pelamor, como é que posso? No trabalho, sento para digitar textos vendáveis — o que é uma mentira; meu texto é só suporte — e nos dias de folga, mais textos; dessa vez, longos trabalhos para as matérias mercadológicas; (carinhosamente chamadas de merdológicas). Primeiro, Trade Marketing. Depois, Recursos Humanos. Para fechar com chave de ouro, CRM. Muito estresse, muito. O que estou fazendo, deus! Um nome no currículo vale postergar a mim mesmo?

(Questões antigas levantadas por todo jovem.)

Morri às letras; fechei os livros; dormi nos ônibus; e deixei de observar os detalhes. E agora o arrependimento, por não ter combatido o sono, por não ter fluído a ânsia que sempre ferve no cerne, por ter tapado com terra e grana e gana a lava quente que daqui emana; ela endurece, e agora não explode mais como antes. Há algo gritando abafado, e esse algo cresce, estufa, pressiona e quer implodir essa crosta suja, este poro entupido de fraqueza mental, “moral”.

Ó Hades, dos vultos, que agora me aprisionam; houve ciúmes de minha não-visita costumeira? Ó Apolo, músico, que agora só tocas, e não me deixas tocar. Ó Dionísio; não queria que tua casa fosse a última saída, e sim a primeira, a oportuna, e não-obrigatória! Eros, por que te escondes? Afrodite, por que me zombas? Ares, traze-me novos ares! — Vós e todo vosso universo, voltai a girar em torno de mim. Fazei-me parte de vossa órbita!

São os votos de todos nós, Claucios que sonham em voltar a sonhar por nós.

13 de dezembro de 2004

Lágrimas e mar são água e sais. Surreal? Ou sou real?

— O que é isso em teus olhos?
— É água. E sai.

Lágrimas é um rio que inunda quando o mar não é navegado.

Já encontrei em minha irmã este remorso; isso é mais freqüente quando o tema em voga é futuro, vestibular, faculdade, etc. Sempre acontece; insegurança definha. Já fui do cara que chegava e dizia “Não fica assim, vai passar, é fase...” — frase, aliás, que serve pra qualquer coisa — mas, como parte de um ideal, não sugiro mais nenhum consolo desse tipo. Na hora da prova, sim, ela vai precisar de apoio moral; mas para a vida, mesmo, e para o dia-a-dia, quem criará forças será ela mesma (nem que seja tirando dos outros).

Pausa.

Se isso parece auto-ajuda pra você, então somos dois. (Eu sabia que estava difícil demais escrever.)

Pra falar a verdade, deixo o amigo sofrer, para que ele aprenda a se levantar sozinho. Sou pró-silêncio, e não dou pêsames. E no sucesso, vou exigir uma rodada por conta, mesmo sem dizer parabéns. Sou pró-silêncio e acredito no olhar.

Essa fase de vestibular é uma merda no Brasil, porque o tal do mercado competitivo brasileiro está exigindo cada vez mais especializações, jovens entrando, graduando e pós-graduando e degraduando, e não abre espaço para que façamos o que gostamos. Imagine, trabalhamos para ganhar grana e para só no futuro fazer o que gostamos; e ainda dizemos que somos racionais? Mas onde está aí a idéia da morte, a mais racional das coisas terrenas?

(Nunca as drogas foram tão necessárias.)

Clarissa: eu me formo com 21 anos e 2 meses, e não (mais) me orgulho disso. Eu queria ter conhecido mais gente; queria ser menos religioso na infância; queria ter dito um bom dia pras vizinhas; queria aproveitar a temperatura das novas idéias enquanto estou no fervor da juventude, mas não! Estudei, estudei, decidi logo cedo “meu destino” e hoje não tenho tempo para fazer o que deveria ter feito agora e ontem. Mesmo no terceiro ano de Comunicação Social, as coisas que descobri até agora são: que não quero fazer marketing; não quero fazer propaganda; e não quero mentir, omitir ou manipular em detrimento de minha saúde mental — pois minha intenção não é trabalhar como camelo e deixar de lado meus livros, músicas, atividades físicas (incluindo aí o sexo) e paixões boemias.

Logo eu sairei do Submarino a procurar por coisas que tenham a ver com escrever idéias. Farei um curso de roteiro audiovisual no fim deste ano, e espero encontrar o meu rumo nas redondezas disso aí.

Pelo menos não esperarei o fim de minha vida para descobrir qual roteiro deveria ter seguido.

Não chore mais.

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Extras do DVD — Cenas cortadas: clipe de Comfortably Numb.

— Para quê esta mão estendida? Por acaso tenho cara de quem lhe dará esmolas? Imagine, um mendigo!

E deus nunca mais estendeu a sua ajuda.

Expressão da opressão - a amargo do âmago

“Fulano de tal convivia na pocilga dos ricos e se acostumara com o isso colocando na cabeça que aquilo era pelo salário, somente. Tentava se conformar que, na verdade, aqueles dali não eram pés para uma nata ainda mais densa. O cheiro de perfumes caros e o desfilar de quadris não eram, mais, impulsos naturais de sobrevivência e sexo, mas dependências químico-físicas do S cifrão. Ele almoçava no refeitório sufocante, mas, exceto pela comida, no local imundo sentia-se quase em casa no meio do povo. Dava-lhe prazer ouvir com o cantos dos ouvidos que, em vez de baladas toda semana, programas caseiros e cerveja em botecos com amigos.

— E você, foi pra baladenha no finde?
Fulano foca o olhar, que antes estava no infinito.
— Hã?
— Tava irada onde eu fui, que balada é aquela? Tudo!
— Não, eu... [com vergonha] eu fiquei em casa vendo um filme.

Era uma risada sarcástica de menosprezo o que estava por trás do “como assim?”.

Fulano sabia que em todos os cantos poderia ser bem quisto em um grupo grande. Mas, talvez, não em um pequeno. Fora com seus poucos amigos residentes, ele nunca saía nos bandos com quem a maior parte do tempo passava na rotina. Primeiro porque se sentia só, sem poder falar dos assuntos relacionados ao que era intimamente, nas entrelinhas, ligado a um poder aquisitivo um pouco maior; segundo, porque ela tinha pena de suas vidas mais alegres e histéricas.”

— Mas o que você faria, se sua família não dependesse de seu salário?

“Um dia pintou a chance de integrar-se com pessoas mais próximas de sua realidade. Enquanto concordava com seus colegas de ramo sobre a inconveniência, a chatice e não-percepção-de-que-nós-temos-coisas-a-fazer e sobre o sarro que tiravam de suas próprias expectativas, Fulano torcia para que o dia viesse logo. Sonhava em como seria o evento. Imaginava quão pobres seriam alguns de seus companheiros de equipe. Praguejava contra quem repudiasse o acontecimento, e assim foi até que o dia veio. Mas, ao contrário do que esperava, a integração não ocorreu de forma efetiva. Às pressas (talvez por ser organizado por gente da alta, na empresa), a competição foi conduzida a ponto de não deixar margem para um bate-papo, uma apresentação sem diferenças salariais, uma utopia da não-panela-social. Quando ele deu conta de si, brindava uma cerveja quente com as mesmas pessoas de sempre.

Voltou com uma saudável depressão; aquela que fala no ouvido sobre como poderia ter sido, mas que lembra que não foi culpa sua. Aquela garota por quem se interessava caiu na equipe, mas, de lá, Fulano só trouxe seu nome.

— Ei, chegou! Não vai descer do ônibus?

E mais uma vez o Fulano guardou consigo o passado de seus pais pobres, que ganharam seus espaços no povinho e às custas colocaram-no no convívio dos mais bem dotados de berço. Tinham a esperança de que seu filho seria um profissional de sucesso, para fazer parte da primeira geração na família que iria dar uma boa aposentadoria aos antepassados. Mas Fulano não deseja fazer parte deste meio, não mais. Quer estar entre gente que dê gosto por isso, sabendo que uma conta rachada no fim da rodada não deixará a carteira furada.

Fulano parou e pensou.
— Mas sou mais um. O desejo de estar sem panelas me direcionou à panela dos não-agrupados. No fim, são os mais restritos. Eles não têm muros, pois bastam o muro da direita, com arame farpado e cerca elétrica, e o da esquerda, pichados com alguma frase suja.

Olhou para o céu e viu a única direção sem discriminação. Quis acreditar num Deus, mas somente viu dois sóis que projetavam sua sombra nas paredes.”




Expressão da opressão - extras dos bastidores

— O caminho... é ser vampiro.
— Ou bobo da corte.
— He he, isso!... Um brinde!...

Nesse sentido, sou tão romântico que não raramente há quem estranhe meu fervor. Em um ambiente opressor, encontrar uma mulher ou amigo de origem parecida à minha é como uma lua que no céu de trevas sai de atrás da nuvem. Mas lobos solitários também lutam pela sobrevivência.

No poema hermético, a razão destrói a poesia do achado. Só não sei se foi o anjo ou foi o satãzinho quem cochichou a meu ouvido.

2 de outubro de 2004

Zona: região, local de voto, baderna, meretrício - parte I

Da última vez, enfrentei 2 horas de sol numa fila preenchida com ignorantes. Por isso, neste dia 3 de outubro eu levantei cedo para dirigir-me à escola onde voto. Sei que a galera já deve ter ao menos aprendido como é manejada a urna eletrônica, então era provável que não houvesse fila.
Desço a escada da garagem e vejo 5 folhetos jogados. Na calçada, 15. Mais à frente, 150. O bueiro já está saturado.
No peito, na estampa interna da camiseta, uma estrela vermelha com as letras do PSDB. Nas costas, um tucano do PT.
— Já sabe em quem ‘cê vai votar?
— Já sim, obrigado.
Eu e meus amigos não acreditamos em mudança. Não na política. É só uma troca de partidos e cusparadas.
— Toma, pega um santinho.
— Valeu, já tenho candidato.
Passo o primeiro farol da avenida. Há uma blitze do PT entregando jornais (a quarta edição de uma manobra eleitoral).
— Bom dia, vote...
— Já tenho candidato, valeu.
Primeiro saiu na Veja uma suposta conspiração de Emídio (PT) com Eymael (PSDC) para não colocar Délbio Teruel como vice de Celso Giglio (atual prefeito, PSDB). Depois, o segundo auê, recebi no trem um jornal do PT dizendo que abriram um processo contra o veículo.
— Não, obrigado, já tenho...
Ontem, no sábado 2, peguei na garagem uma terceira via das acusações, e era a do Celso Giglio, com notícias de que Emídio seria cassado da candidatura. E hoje, esperando o farol de pedestres abrir, tiro o pé da saideira de O Treze, que noticiava que não, Emídio não será cassado, e que tudo aquilo eram sintomas de desespero do tucano.
— Já, já tenho...
Com toda essa baderna, decidira o número de meu candidato: 99.
— Olá, vote no Didi...
A garota abordou-me com tal ímpeto, que quase que ela escorrega nos mesmos santinhos de seu candidato, que devido à calçada molhada serviram como cascas de banana. Mas ainda assim, sua mão encostou em meu peito.
— Vote no Didi, por favor, moço.
— Ela vai limpar isso aqui se ganhar?
Talvez não tivesse ouvido.
— Se limpar, eu voto nele.
A região ali tinha 3 escritórios de candidatos. Os familiares e amigos tornavam a avenida intransitável. E observando a rua à milanesa, lembrei-me que havia alguém — um amigo da família — que era candidato. Qual o número dele mesmo?
— Toma, irmão.
— Não, valeu.
— Ajuda aí, irmão.
— Não, valeu.
Fora apenas uma quadra desde casa. Resolvi economizar voz e andar silencioso, concentrado no caminho e pisando nos candidatos (atentem à metáfora do meu imaginário: tirando com o pé esquerdo os que grudavam no direito, e vice-versa). Mas o silêncio não adianta. Estamos num mundo onde o silêncio traz insegurança e desconfiança. O velho veio oferecendo cinco papéis ao mesmo tempo, e passei. Ele acompanhou-me, ainda estendendo o braço, e se não fossem os outros transeuntes de plantão eu teria acelerado o passo.
E os papéis ainda no meu peito.
— Não, valeu.
O velho largou-os ao chão.
Não olhei mais para os rostos. Concentrei-me no chão; sabia que alguma hora o meu possível candidato estaria lá jogado, com seu número estampado acima de alguma frase de efeito. “Sorria: você está votando consciente!” dizia um smile do poste. O candidato não pertencia à minha consciência até então.
— Moço, vota no nosso amigo aqui...
— Sim, voto.
Era o tal amigo de quem eu queria saber o número. Mas não era algo fácil para ser recordado; não para mim, que não faço nem questão de votar nem de memorizar números. Estava chegando próximo à zona eleitoral; mas não era aquela o meu destino. Sei que existe uma lei que define, a partir da porta da escola, 100 ou não sei quantos metros de espaço livre de boca de urna. Estava prestes a ultrapassar o limite; foi daí que eu lembrei o porquê de se chamar zona.
— Vote...
— Não, valeu.
— Moço...
— Não, valeu.
— Ó homem, vo...
— Não, valeu.
— Por favor, que horas...
— Não, valeu.
A rua tinha papas de papel molhado. Senti imensa raiva de todos os políticos eleitoreiros, todos com suas frases idiotas, todos com seus santos salvadores; lembrei então do carro de som que meu candidato colocou numa calçada de uma avenida. Tocava uma batida estilo balada jovem; lembrei também que seu discurso era igual aos outros; lembrei também da montagem que fizeram com ele ao lado de Giglio. Lembrei também que eu defendo o voto opcional. — Tem muita gente que não faz questão. Pra quê botar na mão dessa maioria o destino duma cidade?

(Pra quê bancar essa inocência?)
((Eu sei o porquê.))
Passei do raio limitante.
— Oi, pega um santinho...
— Valeu, já tenho.
Valeu? Obrigado? Obrigado o caralho! Lá vem outra pata!
— Oiiiii...
— Valeu.
— Nossa, que... Obrigada, viu!?

Vão à merda todos eles. Depois da Globo e o Collor, decidi não votar em ninguém que faça propaganda. Como saber, dentre as quatro edições de jornais acusativos, qual é o verdadeiro? Qual mente menos? Estou alheio à comunicação, e é tudo. Não confio em nada, e meu voto será sempre nulo.

— Um panfleto com as obras do Giglio...
— Fez sua obrigação.
— Um apito no Emídio.
— Sim, vou levar pro picadeiro.
— Vote em quem tem compromisso com a palavra.
— Sim, já reparei esse Apocalipse.
— Evangélicos, uni-vos!
— Tributos, idem!
— Não acreditas numa causa?
— Sim; a causa de tudo é deus.
— Que bom que és religioso.
— Deus é informação.
— Dados confirmam...
— Informação é dado analisado. E repassado.
— Justiça para todos!

Saí de perto, cheguei à minha zona, e vi gente “vendendo” voto. Entendi outro motivo para a palavra zona.Digitando 99, li na urna eletrônica “candidato errado”. Mas eu tenho a impressão de que, não importa quem vença, não haverá uma urna que diga ao todos “Candidato errado”.Mas tudo bem. A notícia é solução pra muita coisa.

7 de setembro de 2004

5 livros que eu não recomendo para o mundo das oito.

Cinco dos livros mais humanos já lidos por mim são: 1984, de George Orwell, Admirável Mundo Novo, de Addous Huxley, Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago, Crime e Castigo, de Dostoiévsky, e O Processo, de Franz Kafka. — Guardem este nome, pois é ele que tem relações com Bush (texto abaixo).

“Blábláblá”, dirá quem tiver um olhar mais atento e reparar que esses 4 estão na lista de recomendados que muitos fazem — ou seja, não acrescentei nada a mais ao valor inestimável dessas obras. Mas, por favor, dêem a mim esta chance de explicar.

Em meu breve resumo emocional, eu nasci em 1984. Sim, fui parido neste ano; mas há outro sentido, não-lógico. Eu digo que eu acordei minha percepção de como as coisas se movem com a obra 1984. O que ele descreve naquela destropia bélica é tudo o que um dia eu pude imaginar como o ser humano age: um grande irmão (o senso) que rege nossos atos, uma irmandade que age fanaticamente em prol de algo que mal eles dominam, e aqueles gozos chamados novilíngua, a língua do não-pensar, e o duplipensar, que é atuar a favor daquilo que você tem nojo por sua sobrevivência. Um publicitário consciente, digamos; se é que isso exista.

Lendo Admirável Mundo Novo, enxergo o mundo do consumo, a publicidade (mais do que em 1984). — Eu não irei explicar o porquê das coisas; sugiro que os leiam (apesar de que indicar um calhamaço é torcer pro Bush dizer que errou). Cegueira é um relato da luz, ou trevas, ou é deus, ou diabo, ou é conhecimento, ou ignorância, etc. Tem milhares de interpretações, e por causa disso até hoje sou indeciso quanto ao que (não) sei.

O mais recente lido é o Crime e Castigo. O último capítulo da terceira parte é um orgasmo em forma de vernáculo. Diz da divisão entre ordinários e extraordinários; mas também diz que não há como saber quem é quem; que o fim justifica o meio, e que por isso há crimes perdoáveis, etc. O problema é esta obra cair nas mãos de alguma pessoa inapta ao crime, pois ela julgar-se-á (para os leigos: "estará se julgando") livre pra fazer o que quiser. Ou seja, é o que todos pensam ser, livres. Ninguém poderá apontar quem é apto ou não. Acho que só Raskólnikov, até então.

Eu deixo soltas por aí algumas pérolas pra quem quiser pensar. O texto abaixo fala sobre o último livro, O processo, e sua relação com Michael Moore. É só uma lapso.

2 de setembro de 2004

Showmício: no pão e circo, os palhaços são a gente.

Na manhã do sábado, essencial para minha grade de descanso semanal, fui acordado às nove com um carro-da-pamonha cantando uma canção eleitoral. A voz não poderia ser pior: algum cover do Zezé de Camargo, que cantava: “Celso Giglio, Celso Giglio, o povo de Osasco gosta muito de você-ê!”. E o narrador, com tom de rodeio, anunciava o showmício que teria ali mesmo, perto de minha casa.

Eu fiquei tão puto com aquela interrupção que desejei ter um bastão de beisebol para arrebentar as caixas de som daquela Towner filha da puta. E não sou o único, disso garanto. São tantas pessoas iradas com sua eleitoragem, que o Celso Gíglio deveria trocar seu nome para Celso Gigolô: deixa toda a gente puta.

Eu desci de casa, avancei ao carro e parei em frente dele. E fiquei estátua. A gorda, feliz da vida com o dinheirinho ganho pelo polí-tico, buzinou.

— Quer sair da frente?
— Desligue o som. Quero dormir.
— Estou fazendo meu trabalho.
— Mas a senhora e sua vã incomodam a gente.
— Só dá o senhor reclamando!
— Pois que seja o único! Há de haver o primeiro! Logo vem o resto!
— E como você sabe que eu incomodo? Tem muita gente que gosta do Celso!
— E como você sabe que “o povo de Osasco gosta muito” dele? Eu sou povo dessa joça, não me incluam no meio. Eu tenho direito de dizer que você mente.
— Ora, saia, seu louco.
— Toma, então!

Os golpes do bastão de fogo detonaram o carro. A mulher fugiu. A polícia chegou, levou o delinqüente, prendeu-o e somou-o nos números de presos durante seu governo, para engordar o eleitor com promessas de melhora.

E sai uma matéria dizendo que 30% do eleitorado tem ideologia. “São os outros 70% que a propaganda pretende atingir.” E dizem: publicitário é uma profissão nojenta? Oras, eles são é espertos. Duplipensadores, não? Mas só surgem com essas falhas humanas. Sempre foi, sempre será assim. Tem gente que vota no PT porque é contra o resto. Mas não adianta, o estrago já foi feito quando você nasceu, formando-se com seus pais.

As eleições deveriam ocorrer a cada ano. Afinal, só em ano eleitoreiro que eu vejo as obras pipocarem por aí. A pracinha aqui da frente ganhou outra cara, concordo. Mas tem 6 candidatos por poste. Tinha traficante cobrando pedágio das crianças na escola aqui perto. E as baladas são baladas de verdade: bala dali, bala de lá... E eu volto pra casa com medo de assalto no ônibus. Mas carro da pamonha não falta em ano de “troca” de prefeito.

Choro, porque creio que esses 70% são dos que se entregam a deus.

10 de agosto de 2004

Kafka, O Processo, Michael Moore, Fahrenheit 9/11 e Tiros em Columbine.

No eterno brilho de minha mente sem memória, O Processo diz que K., o personagem, comete um crime, e que está sob julgamento. Que crime foi? Ninguém sabe. O julgamento, ainda por cima, é feito sem seu conhecimento. Ou melhor: toda hora ele é julgado. Ele mesmo não sabe como ocorre a sentença, quem está por trás das coisas, o que ele deve fazer para safar-se ou entregar-se, e etc. Se alguém perceber alguma semelhança entre este enredo e os filmes de Michael Moore, talvez não seja mera semelhança.

Em Columbine, Michael Moore aponta como os estadunidenses semearam a cultura do medo e do armamento; aquela coisa de “proteger a família é obrigação do americano” que é mostrado durante duas horas. E o modo como o diretor argumenta essa balela toda é impressionante. Infelizmente não poderei saber até que ponto o filme manipula a opinião do espectador, mas eu chuto a relação com a obra de Kafka. Quem é o inimigo? Não sabemos. Qual é o crime? Idem. Quem está por trás do julgamento? Não sabemos. Quem está por trás dos índices de violência? Idem.

Ou não. Talvez por trás (talvez) esteja a mídia, o governo, a indústria, etc. Esse é o único ponto que não tem a ver Tiros em Columbine com O Processo. Mas é que o Kafka é tão genial que ele deixou que sua obra fosse uma “matrix”, onde, dependendo da combinação (por exemplo, Bush + medo + armas + mais-medo-ainda, ou seja lá o que for), o resultado é magnânimo. É o caso de Michael Moore. Ele colocou os elemnetos direitinho para convencer qualquer um.

Em Fahreinheit a coisa fica ainda mais explícita. Onde estão as armas químicas até hoje alegadas como motivo da guerra no Iraque? Onde está o crime? O que o soldado americano forçado pode fazer contra algo que está muito acima dele a decidir? O que o mundo pode fazer contra? Enfim. Mais Kafka do que isso, só se ele virar um inseto.

E, aproveitando o embalo, eis algumas relações superficiais (do sentido da breviedade; ou seja, um pitaco) com as outras quatro obras citadas no texto acima.

· Bush-pai aliado de Bin Laden ontem, Bush-filho procurando-o como principal cabeça hoje; é uma troca eurasiana e lestasiana de 1984.
· Sentei-me na frente da TV e assisti frente àquela luz o preto que matou; fiquei preconceituoso, com uma chaga instalada em meus “olhos” (Ensaio Sobre a Cegueira).
· Na mídia, há o alarde; e baseado em Marlyn Mason, o consumidor com cu na mão quer uma luva de algodão — que se traduz em “Não se produz nada que não leve a mais consumo” (ou algo assim, de Admirável Mundo Novo).
· Mas eu aconselho ao mundo das oito que não leiam estas obras, pois a sua ignorância será a sua força; a sua guerra foi a paz; e sua liberdade já é sua escravidão (novamente, o ano em que nasci).

18 de julho de 2004

Tipos de Relacionamento: assunto pra juventude dormir

Outro dia ouvi uma pata definindo 10 ou 50 tipos de relacionamento até antes de um noivado (casamento não contava). E eis o que ouvi: "Tem o casual, tem o ficar, tem o namoro sério, o namoro casual, tem o companheiro de balada, tem o ficante de rua (que, segundo ela, é ficar, só que mais fácil, porque você não vai longe), tem o tchucas (que envolve carinho e selinho, mas não envolve língua — um tipo de conforto pra quem tá carente, pelo que entendi), tem o ficar-junto (que é o ficar, só que querendo namorar, pois se ligam todos os dias, avisam onde vão sair, mas o menino ainda não deixou oficial, e por isso a menina não pode dizer que estão namorando), etc. E perguntei: por que tanta coisa? Não é mais fácil dizer "quero te beijar/abraçar/amar/foder/deixar"? E ela respondeu que isso é útil para muitas coisas. Por exemplo, para saber até que horas devo ligar para a menina. Se for namoro, até meia-noite. Se for "ficar-junto", até onze horas. Se for o ficar casual, só não ligue na hora da novela, e não fiquem por mais que dez minutos falando, que daí já vai dar a entender que você quer algo sério.

Foi tão absurdo que eu já não podia responder à garota — que se diz livre, moderna, despojada e que não liga para aparências. O que ela fez era como se fosse uma constituição, onde se cria para a liberdade dos cidadãos, mas no fundo só os prende.

Quanto a esse povo "desencanado", que fica pensando em que tipo de relação se está, ou o que o outro lado está querendo (segundo eles, isso é fundamental, porque devemos privilegiar nossa "independência"), para essas pessoas de quem tenho pena eu sugiro criar o M.E.C.O.M.A.: Movimento da Emenda Constituinte Ortodoxa dos Mau Amados.

Bando de frustrados.

17 de julho de 2004

Após um Trópico de Câncer.

"E Cronstadt, depois que receber as notícias, viverá um pouco mais vigorosamente, um pouco mais brilhantemente, durante cinco minutos; depois cairá de novo no humo de sua ideologia e talvez nasça um poema, um poema com um grande sino dourado sem badalo." (Trópico de Câncer, Henry Miller)

Ontem, numa tarde nublada de domingo morno, terminei definitivamente a versão beta daquele que seria meu primeiro livro. Um relato de minhas primeiras reações, antes de calar-me sedado, como toda rotina contagiosa, de quando andei e andava de trem. Encontrei uma metáfora que, dentre tantas historiasinhas, perde-se, e por isso sinto que aquelas mirradas sessenta páginas — o total que deu, escrita de um canto a outro — não são mais que um sino sem badalo. Funciona a pedrada. Lembro-me de quando entraria no caos das letras na defensiva, com os braços a proteger-me a face. Sempre lembro do que já sonhei. Mas essa merda não sai porque detesto voz mansa, como as de quando pedem para que eu me acalme, mesmo a estar com apenas um pouco mais de agitação, nada de mais — e agora isso soa e instala-se em meu cérebro a barrar-me as idéias. Temo perder o fio, pois já no súbito ligar de máquina esqueci-me de metade do que me fez levantar.

Sim, sinto-me patético naquele "relato de pensamentos duma viagem", pois tenho em memória os mesmos gênios que ascenderam esse fogo, caras como George Orwell ou Umberto Eco. O que mais depois deles? Ter a experiência de 1984 foi, pra mim, como numa transa inesquecível, um gozo aparentemente inacabável. Mas acabou, e fica na lembrança os prazeres daquele percorrer de pontes; e não há cinco a um ou tec tec que supere aquela sensação. Hoje eu os odeio. Sou filho de Saturno do ledo engano forjado antes da pedra. Mas a tímida chama, brava e pavorosa, queima no cerne, e o ímpeto de sentar-me escravo do teclado soa-me um maso prazer.

Uma conhecida minha, motivo de repentina paixão no passado, revelou-me uma boa, ou pelo menos aos olhos de um leigo como eu, promissora escritora. Ela escreve pequenos contos revoltosos, contra as comuns leis das aparências, a sociedade televisiva, e entre outras coisas clichês na juventude pseudo-revolucionária. Chamo pseudo, mas não seria o caso. Inter-revolucionária, pois banca o grito entre amigos e próximos, mas se nega à estandarte do berro público. Acho que já superei essa fase. Eu contradigo a mim mesmo em minhas paixões. Sempre voltando os olhos para as mais independentes (ou assim chamadas) e cabeças (ou assim chamadas), mas sinto um certo asco nessa toda soberba. Desejo de destruir orgulho? Talvez. Contradigo-me pois quero amordaçar a som de suspiros essas bocas faladeiras, mesmo quando mudas, e abafar o que me faz levantar bandeira. Sinto ódio pois sou um tonto perto de sua total falta atenção. E faço justiça a essa falta de atenção, sim. — Já conversei com um amigo, o Ássimo, a respeito desse minha total falta de modos no apresentar-me; e tenho consciência dos resultados; mas o que posso fazer, se não me aflige a reação tão contrária a meus primeiros objetivos? Assumo e assino meu próprio sepulcro. — E odeio meu amor por elas. Mas a garota de quem falo, a escritora jovem (mais justo que se fosse "jovem escritora") fez-me lembrar do para que sirvo mais fielmente.

Tenho ainda, depois do Trem, o Menino, a Faculdade, e quem sabe um dia, após muito estudo, uma Guerra Astrológica. Mas seriam livro grandes, demandando muitos dias, e isso enjoa um bocado para quem tem sede por mudança — quem dera pudesse escrever mil páginas por dia! — e por isso este blog aqui, chamado de A Lava Lava, ser-me-á de muita serventia. Há de haver quem leia e me cuspa, pois é um sino de ferro e ainda sem badalo, porque vim de baixo; não duma favela, confesso, mas foi demasiado tarde, para meus anseios presentes, o meu primeiro contato com os gênios — meu passado é assombrosamente metódico e fiel; mas esta é minha casa, e aos que entrarem, uma honra, aos que por ela passarem, um prazer.

12 de julho de 2004

Não me interprete mal! — A voz do texto que não vomitamos ao passar mal.

No domingo estava eu na casa dum amigo, conferindo pela Internet quanto fora seu resultado no Enem. E dentre as 63 questões, lá estava uma daquelas dos tempos antigos, dos tempos modernos, aquele tipo de questão que no colegial tanto apavorava minha intuição: “De acordo com o texto e as figuras de linguagem utilizadas, o que quis dizer o autor com o trecho...”


Dizem esses grandes estudiosos que, “graças à época em que vivia o poeta, seus pesadelos refletem a ansiedade da burguesia em relação aos fatos que decorriam constantemente, espelhando as paixões de um povo” e esse tipo de interpretação. Pois quer saber de uma coisa? — Que se foda tudo isso.


Hoje, com alguns anos a mais e um curso de comunicação nas costas, eu pergunto para que raios existem, desde que entramos na escola, questões e provas sobre interpretação de textos. Por que é que somos obrigados a enxergar as entrelinhas observadas por um cara que se diz mais culto que a gente, sentando a bunda na diretoria de alguma universidade ou academia de letras? Já que é uma academia, eles deveriam aproveitar o nome e malhar um pouco mais suas idéias sobre interpretação dos clássicos.


Até a Teoria da Comunicação já afirma: a mensagens não é feita apenas pelo emissor; e ,segundo um outro autor, "uma vez lida, a palavra é metade de quem diz, metade de quem ouve." — O processo comunicativo acontece da seguinte forma: há um meio, um ambiente, uma situação que envolve tudo; neste bolo, surge o emissor, que utiliza códigos para formar a sua mensagem; do outro lado, está o receptor, que pode ou não ter no repertório o mesmo código, e isso influi na decodificação da mensagem; há uma resposta, que volta para o emissor como um retrocesso (feedback); influindo em tudo isso, existem os ruídos, que são diversas formas de atrapalhar o processo. — Agora, analisemos quem é quem, nos dias de hoje, em leituras colegiais preparatórias para vestibular: o ambiente é a época, o emissor é por exemplo Fernando em Pessoa, o código é a metáfora, a mensagem é Mares de Portugal, o receptor é o aluno, que lê cada verso, compreende cada linha e dá como resposta uma exaltação mórbida ao grande poeta e tira 10 no exame, certo? — Errado.


Inclua no ambiente do emissor os processos mentais que porra louca de época nenhuma descobrirá do que se trata; isso basta para que nenhuma prova seja válida. Mas tem mais. Misture na codificação um elemento que nenhum racionalzinho de merda saberá lidar: a emoção. Lembre-se também que ninguém é obrigado a saber que o sobrinho do cunhado do padrinho do autor tinha falecido na época, para sabermos realmente o que influía nas palavras escritas com e sob pressão. E voltemos agora para ano 2004, época de Enem e vestibular.


Eu tenho 17 anos e ouço Avril Lavigne, Charlie Brown Jr. e rádio Mix FM como prova de minha juventude revolucionária e independente. É suficiente para entender cada lágrima do poeta defunto. E, tipo assim... putz meu, tipo... sei lá, sabe, eu ainda naum devo, tipo... saber o q eu qro da vd, qro curir a minha vida, ser + eu, sabe... tem q t o dom pra entende o dom [Casmurro], neh naum? — Ainda bem que existem os manuais da Fuvest sobre as 10 obras do ano. — Na caldeira, também tem a pressão para passar no vestibular (aos 17, 18 anos). Tem que entender o que o autor quis dizer (ou, pelo menos, entender o que o professor com sua análise quis dizer); porque sou burro, não enxergo o que todos deveriam ver. Eu não posso responder o que eu senti lendo “quanto de teu sal são lágrima de Portugal” porque minha viagem foi para outro lugar, diferente do que eu li no jornal do vestibulando. Você sabe o Guimarães? Putz, eu só entendi depois que li a resolução do ano passado... — “E fizeram o carnaval” na interpretação do cara. Mas, peraí, nas 5 alternativas não está a minha percebida! O que é isso, Drummond? — Bah, vai se foder, vou chutar a B!


O parágrafo anterior é nojento. A realidade é nojenta. No colegial, o que salvava meu Português era a gramática, porque eu não sabia entender o que os outros entendiam. Por isso, fiquei traumatizado com interpretação de textos. Lia com má fé, e por isso perdi muitos autores que são bons pelo que foram de humanos, não pelo que são de robôs em treinamento para a prova de cem questões. — Isso mesmo, foi-se o tempo dos professores-professores. Hoje, prefiro chamar as escolas de prestadoras-de-serviços-para-consumidores-que aspiram-sucesso; e talvez mais por elas do que pelos próprios mestres, temos professores-treinadores. Ensinar? Formação humana? Pra quê? Tenho mesmo é que ganhar dinheiro propagandeando a todos quantos de meus alunos entraram de primeira em Medicina na USP. — E eu não acho que sou o único com traumas de grandes autores, escritores “dos que fazem pensar”. Essa frustração deve ser o motivo para que os best-sellers sejam justamente os de auto-ajuda, ou os autores "super profundos". — Será que é tão difícil assumir que cada um tem a sua interpretação? Que cada um tem seu repertório pessoal? Que temos 17 anos e não é pela digestão forçada, nem por osmose, que aprenderemos como apreciar um texto? Os alunos deveriam ler filosofia individualista, não correções de prova.


Mas creio que sou, neste ínterim, muito estúpido, muito ignorante. Mas, quem sabe?, não serei eu o garoto do reino, que olhou para o rei pelado, que sorria diante de pessoas que fingiam ver nele seu traje magnífico, e disse, para surpresa de todos: Vejam, o rei está pelado!?

13 de maio de 2004

O Brasil só merece medalha na Olim-piada

Atenção ao toque de três segundos:

Três: Bush usa imagens de iraquianos para mostrar que, depois de sua invasão, o país virou um país livre.

Dois: Curioso saber que duas de "nosso" ouro vieram do iatismo, esportes super populares, super conhecidos e super acessíveis a quem não tem grana — que são um pouco mais que a maioria, no país que em tamanho só é menor que a Rússia, Canadá, China e EUA, que, assim, por acaso, coincidentemente, são os maiores medalhistas da Olimpíada.

Um: O taekwondista Diogo Silva entra de luvas negras — estilo Panteras Negras — em protesto ao governo que não patrocina esportistas. Diz que o Brasil só se move com medalhas, e que o quarto lugar no mundo não basta para alguém enxergar.

O Brasil é um campo fértil para oftalmologistas e oculistas. O que tem de gente míope que não enxerga o esporte... E o lutador foi à Grécia com patrocínio de um supermercado.

— Eu defendo um país que não me defende. Eu não posso competir em meu nome. Levar nas costas o nome de um país onde se destacam as letras AI. Só será justo o dia que existir não países, mas equipes de empresas. De qualquer forma, os chineses ainda estariam bem – com a Nike, investindo o esporte de dez horas diárias de treinamento nas crianças da lá.

Eu tenho nojo de vocês, putos, que se prostam diante de uma medalha, mas ignoram o esforço "restante". O quarto é o mesmo que o último. – Eu atiraria a minha no lago. Ou melhor, no Tietê.

Na alegria, todos são amigos. Usar imagem dos outros é fácil. Mas político não usa o choro.

Alguém afim de bater uma bolinha depois do Brasileirão?