Os olhos ao poço
“A Caverna de Palimpsesto”
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Quando a tinta me cai sobre a tela,
Não ser mão, papel, aquarela.
Quando o corpo voar pelo palco
Não será na pele o talco.
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Pois à entrada daqui há uma placa
Que afasta o pobre ordinário
E o tolo fútil babaca
Do pau oco ao santo vigário.
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“Camuflagem”
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A caverna oculta segredos
Que não são do sólido rubro.
São dos mais densos negros
Que, por medo, venho e lhes cubro.
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“Palavras guardadas estragam”
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De olhos singelos me embasa
De utopias era minha fonte
Fora flama, e agora só brasa
Retirei as palavras do fronte.
E a mesma utopia me arrasa
Pois sen ti, fechei-me no monte
E a lágrima de meus olhos vasa
Pois lhe viram a sumir no horizonte.
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“Dever incógnito”
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Sem planos futuros
Porvir que me morre
Um fundo de furos
Tardar que me escorre.
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Audiência e influência”
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“O bem indica o norte
O mal implica à sorte”
E que bem ser esse, sentado
À TV, esperando-se a morte?
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“Sombra sem luz”
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Breu, Meu, Eu.
No escuro, por sem invisível.
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“Dom parasita”
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“Os valores pelos quais me estrago
Não são meus, mas deles dependo
“Celular, pois amor é pré-pago”
E aos poucos, às regras me prendo.
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Lá em casa, pensando o poema
O corpo reclama cansado
“Eis-te, o grande dilema:
Ou tu a mim, ou tu ao teclado”.
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Velo a idéia à tumba
Amor próprio viria a calhar
E então, um vazio, uma bunda
Cedi-me, comprei celular.
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“Capitalismo”
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Se ser é ter rim, e ter é sem fim,
São pretextos do corpo enfermo.
“Ter”, o “o”, junto a “mim”
De repente, temos o “Ter-mo”.
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“Primeiro o poder, depois o dever”
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O homem saiu do Animal
E riu-lhe: “Sou bem racional”.
Criou armas, dinheiro
E voltou às origens.
E acredita no emprego,
Na carreira, no devir,
Quando tudo é comer,
Beber, transar e parir.
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“Rima não rima com embaixo”
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Um passado promissor
Uma placa promíscua
E não escolhi:
O convir me encolheu.
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A bunda, antes moribunda,
Me apetece, e compro um carro.
Distrações enquanto se espera,
Na fila, anunciarem “Próximo!”
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“Inércia depressiva”
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Quebrei a costela arrombando o fundo do poço.
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“Aquela que domina os homens, em latim”
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A lembrança viva de um par de janelas
Que de tão negras, voltei-me a rimar
Descongelo as veias, quão doces são elas
Livrei-me do denso, voltei a cantar.
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“O negro do poço e o negro dos olhos”
Escrevo, porque o meu olhar pode salvar o seu, figurativamente.
Escrevo, porque assim fez o seu olhar ao meu, literalmente.
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