13 de dezembro de 2004

Expressão da opressão - a amargo do âmago

“Fulano de tal convivia na pocilga dos ricos e se acostumara com o isso colocando na cabeça que aquilo era pelo salário, somente. Tentava se conformar que, na verdade, aqueles dali não eram pés para uma nata ainda mais densa. O cheiro de perfumes caros e o desfilar de quadris não eram, mais, impulsos naturais de sobrevivência e sexo, mas dependências químico-físicas do S cifrão. Ele almoçava no refeitório sufocante, mas, exceto pela comida, no local imundo sentia-se quase em casa no meio do povo. Dava-lhe prazer ouvir com o cantos dos ouvidos que, em vez de baladas toda semana, programas caseiros e cerveja em botecos com amigos.

— E você, foi pra baladenha no finde?
Fulano foca o olhar, que antes estava no infinito.
— Hã?
— Tava irada onde eu fui, que balada é aquela? Tudo!
— Não, eu... [com vergonha] eu fiquei em casa vendo um filme.

Era uma risada sarcástica de menosprezo o que estava por trás do “como assim?”.

Fulano sabia que em todos os cantos poderia ser bem quisto em um grupo grande. Mas, talvez, não em um pequeno. Fora com seus poucos amigos residentes, ele nunca saía nos bandos com quem a maior parte do tempo passava na rotina. Primeiro porque se sentia só, sem poder falar dos assuntos relacionados ao que era intimamente, nas entrelinhas, ligado a um poder aquisitivo um pouco maior; segundo, porque ela tinha pena de suas vidas mais alegres e histéricas.”

— Mas o que você faria, se sua família não dependesse de seu salário?

“Um dia pintou a chance de integrar-se com pessoas mais próximas de sua realidade. Enquanto concordava com seus colegas de ramo sobre a inconveniência, a chatice e não-percepção-de-que-nós-temos-coisas-a-fazer e sobre o sarro que tiravam de suas próprias expectativas, Fulano torcia para que o dia viesse logo. Sonhava em como seria o evento. Imaginava quão pobres seriam alguns de seus companheiros de equipe. Praguejava contra quem repudiasse o acontecimento, e assim foi até que o dia veio. Mas, ao contrário do que esperava, a integração não ocorreu de forma efetiva. Às pressas (talvez por ser organizado por gente da alta, na empresa), a competição foi conduzida a ponto de não deixar margem para um bate-papo, uma apresentação sem diferenças salariais, uma utopia da não-panela-social. Quando ele deu conta de si, brindava uma cerveja quente com as mesmas pessoas de sempre.

Voltou com uma saudável depressão; aquela que fala no ouvido sobre como poderia ter sido, mas que lembra que não foi culpa sua. Aquela garota por quem se interessava caiu na equipe, mas, de lá, Fulano só trouxe seu nome.

— Ei, chegou! Não vai descer do ônibus?

E mais uma vez o Fulano guardou consigo o passado de seus pais pobres, que ganharam seus espaços no povinho e às custas colocaram-no no convívio dos mais bem dotados de berço. Tinham a esperança de que seu filho seria um profissional de sucesso, para fazer parte da primeira geração na família que iria dar uma boa aposentadoria aos antepassados. Mas Fulano não deseja fazer parte deste meio, não mais. Quer estar entre gente que dê gosto por isso, sabendo que uma conta rachada no fim da rodada não deixará a carteira furada.

Fulano parou e pensou.
— Mas sou mais um. O desejo de estar sem panelas me direcionou à panela dos não-agrupados. No fim, são os mais restritos. Eles não têm muros, pois bastam o muro da direita, com arame farpado e cerca elétrica, e o da esquerda, pichados com alguma frase suja.

Olhou para o céu e viu a única direção sem discriminação. Quis acreditar num Deus, mas somente viu dois sóis que projetavam sua sombra nas paredes.”




Expressão da opressão - extras dos bastidores

— O caminho... é ser vampiro.
— Ou bobo da corte.
— He he, isso!... Um brinde!...

Nesse sentido, sou tão romântico que não raramente há quem estranhe meu fervor. Em um ambiente opressor, encontrar uma mulher ou amigo de origem parecida à minha é como uma lua que no céu de trevas sai de atrás da nuvem. Mas lobos solitários também lutam pela sobrevivência.

No poema hermético, a razão destrói a poesia do achado. Só não sei se foi o anjo ou foi o satãzinho quem cochichou a meu ouvido.

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