10 de agosto de 2004

Kafka, O Processo, Michael Moore, Fahrenheit 9/11 e Tiros em Columbine.

No eterno brilho de minha mente sem memória, O Processo diz que K., o personagem, comete um crime, e que está sob julgamento. Que crime foi? Ninguém sabe. O julgamento, ainda por cima, é feito sem seu conhecimento. Ou melhor: toda hora ele é julgado. Ele mesmo não sabe como ocorre a sentença, quem está por trás das coisas, o que ele deve fazer para safar-se ou entregar-se, e etc. Se alguém perceber alguma semelhança entre este enredo e os filmes de Michael Moore, talvez não seja mera semelhança.

Em Columbine, Michael Moore aponta como os estadunidenses semearam a cultura do medo e do armamento; aquela coisa de “proteger a família é obrigação do americano” que é mostrado durante duas horas. E o modo como o diretor argumenta essa balela toda é impressionante. Infelizmente não poderei saber até que ponto o filme manipula a opinião do espectador, mas eu chuto a relação com a obra de Kafka. Quem é o inimigo? Não sabemos. Qual é o crime? Idem. Quem está por trás do julgamento? Não sabemos. Quem está por trás dos índices de violência? Idem.

Ou não. Talvez por trás (talvez) esteja a mídia, o governo, a indústria, etc. Esse é o único ponto que não tem a ver Tiros em Columbine com O Processo. Mas é que o Kafka é tão genial que ele deixou que sua obra fosse uma “matrix”, onde, dependendo da combinação (por exemplo, Bush + medo + armas + mais-medo-ainda, ou seja lá o que for), o resultado é magnânimo. É o caso de Michael Moore. Ele colocou os elemnetos direitinho para convencer qualquer um.

Em Fahreinheit a coisa fica ainda mais explícita. Onde estão as armas químicas até hoje alegadas como motivo da guerra no Iraque? Onde está o crime? O que o soldado americano forçado pode fazer contra algo que está muito acima dele a decidir? O que o mundo pode fazer contra? Enfim. Mais Kafka do que isso, só se ele virar um inseto.

E, aproveitando o embalo, eis algumas relações superficiais (do sentido da breviedade; ou seja, um pitaco) com as outras quatro obras citadas no texto acima.

· Bush-pai aliado de Bin Laden ontem, Bush-filho procurando-o como principal cabeça hoje; é uma troca eurasiana e lestasiana de 1984.
· Sentei-me na frente da TV e assisti frente àquela luz o preto que matou; fiquei preconceituoso, com uma chaga instalada em meus “olhos” (Ensaio Sobre a Cegueira).
· Na mídia, há o alarde; e baseado em Marlyn Mason, o consumidor com cu na mão quer uma luva de algodão — que se traduz em “Não se produz nada que não leve a mais consumo” (ou algo assim, de Admirável Mundo Novo).
· Mas eu aconselho ao mundo das oito que não leiam estas obras, pois a sua ignorância será a sua força; a sua guerra foi a paz; e sua liberdade já é sua escravidão (novamente, o ano em que nasci).