29 de agosto de 2009

A verdadeira história do tuím

__“Bonito, como veio o dia foi.
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__As sombras bem, o sol melhor, ele que ficara das seis matinas às sete noites. Tava na cara que o dia tinha nascido pra deitar colorido. Tinha saído cedo naquele assinzim, desses assinzins que dão vontade na gente de render o dia, tanto é que rendeu, como o sol que estava lá até agora, a essa hora já esticando seus braços, tchau procêis, prometendo mais pra manhã. Deu vontadezinha mesmo é de puxar rede pro rabo, a mulher pro colo e a mão pros seus cabelos, cafuné dizendo arroz docinho no ouvido. Jeitinho nordestino no seu falar e fazer seu tardecido, arrastadim, juntim, delícia de língua, sangue que enxica na subida e que arreia mel caindo...”
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__Que é bom demais ler assim em dia igual assim ao sinzim, é. Dá orgulho de ser alfabetizado. Mas parei. Um causo me puxou pelos zóio. Um casal. E é de paulista, já vi tudo! Puxei o ouvido, distraído do resto. Gosto desses continhos de amor.
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__O caso estava escancarado. Ele quereroso. Ela, fazendo dengo forte, querendo e não querendo, mas brigada acima de tudo. Dizendo pra ele ir embora. Olhei como as mãos se pegavam. Belezura de mão que era a dela! A dele... não fez meu tipo. O meu tipo mesmo, e é o que logo percebi naquele jeito como se carinhavam, é o jeitinho que eles... se carinhavam! E por mais que a menina pise firme, coisa que levaria qualquer rapagão, depois dumas horas, desistir da empresa, me auto questionei: como queria o menino ser cabra numa hora dessa, ali, há dias de hora com sua morena encucada, se ele se derretia, ela idenzão, quando a pele se juntava? Dá não!
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__Aqui cabe um parêntes.
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__Aquela leitura era de artista nordestino. Estava todo concordado num tema que o escritor falou bem falado, que era o jeito que o baiano, o sergipano, ou alagoano se tocava. Como é que a gente pode não amolecer à maneira de quem diz que aquela coisa boa toda que a gente faz a dois é chamego, cheirinho, nhanhar? Pois que me desafie a rapariga, que eu provo agora, na consciência do povo sincero e amoroso, que de tantas bandas por quais o leitor aí já deve ter passado, todas bem mais que as minhas, este leitor há de concordar comigo que, fuque por fuque, lero por lero, pouca, mas muita pouca gente nesse mundão redondo, é de calar a cuca pensadora, arriar a mão tique-taque, e deixar que ela vá à tôa, bonita como veio o dia, bonito como vai ser, isso se se fôr. Bato pé e defendo: a gente só se encontra — ele nela, ela nele, ele com ele mesmo, ela com ela própria, e eles neles em casal, — só se encontra é no chamegar. O resto é enganação do social. A gente amolece todo com uma mão jeitosa, um roçado ligeiro, um abraço encaixado.
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__Fecha parêntes, que precisamos é ajudar o dilema aqui entravado. Que é o do homem xoxo aí parado diante da mulher jeitosa, querendo um beijo dela. Mas e pra convencer a moça de que isso é correto? Coitado do cabra, que, sempre tão palavra, hoje tá endoidão com essa greve de verbo. Diacho! Pois ela não se aquieta com a suada que a mão dá quando pega na dele? Tão macieza precisa de mais júri? Quer falar, botar pra fora, mas como sai truncado e sem jeito! O dono da banquinha já vendeu quinze fofocas desde que o casal empacou seus desejos na calçada da avenida. O jeito, reforço, é o menino pegar na mão da menina. Já fez várias dessa. Ela resiste. Mas também, que deixemos só entre eu e o leitor experiente: ô mulher difícil de papo! Já dizia meu mestre: se no pegar não der tuím, sai de fina. Só o toque é capaz de acender enerjão — e nem é de ação; é energia sentida, combinada mesmo, sem equação, é pegar e ver se deu, ponto, zé fini. Só isso aí acalma o mais arretado dos moços e a mais farofeira das moças. O resto é conversa, com o perdão do jogo de palavra.
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__Mestre sabido. Vem cá, veínho, vem falar pra moça que pode confiar. Porque, a dizer da cara de babão dele, ou da cara de felicidade dela, desses dois não fez só um tuím. Fez TUÃO, que o jornaleiro sentiu forte, e de distância até, e tá de prova que daquele mato sai bicho bonito.
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__Mas deus teja contigo, mestre, e bem longe da cidade.
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__Vamos abrir parágrafo, travessão, ponto e virga e pula página pra dizer o causo que pesa o passo desses dois: ela é prometida! Tava de anel, ele não.
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__Ai, minha santa rita que passa quatro, meu são tomé dos alfabetos, meu jesuis piedoso, meu são joão do grilo! Quem é o suassuna que vai tirar o nó dessa enrascada? Prometida a gosto, diz a bunita que tá indecisa na fronteira. Agora é que o nosso galão vai ter que rebolar no xaveco, que o chamego já foi pros quiabos!
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__Tenho pena é do pobre leitor dessa milonga... Se já tiver pulado pra outras viagens, vou entender sem ranço. Está frio na cena, falei, virei página, e, acredite em mim: a menina não deixou nem o varão roubar uma bituca. Bravou com ele. A cena foi engraçada. Passava uma senhora, dessas fofoqueiras, quando a morena levantou a voz e ordenou com punho de mulher mandona que ele não fizesse isso. “Não faz mais isso, eu não gosto!” A dona andarilha riu-se, dobrou-se pra trás umas cinco vezes pra ver se era caso de novela ou era tarado no pedaço. Mas ainda bem que ela, a mocinha do nosso casal, se agosta nele, que senão tanta lenha queimada aqui seria desperdiçada num não fugidio.
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__Outra cena de dar risada. Parecia filme. A menina, dizendo que aquela vontade era coisa da cabeça dele e que não existia, ouviu do varão, já meio irritado, que negar aquele arrepio do toque era coisa de louco. E pegou no corrimão de uma escada que tinha ali, e disse, “Sai, corrimão, sai daqui, que você é da minha cabeça!” A menina, morena que é, ficou coradinha. Não sabia pra onde olhar. Mas se riu, claro. Menino bobo. Menino convincente no ser bobo! Ela tentava brigar, mas não se queriam brigados. Riam. A seriedade os causava olhos brilhantes. Se entendiam, apesar de uma parte não querer. Mas já demorava...
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__Ela se percebeu desse gostoso estar com ele. Arriou as defesas, baixou a guarda. Sorriu, quereu. Lerou, lerou, veio, foi, veio, foi, mas quanto mais vinha um nariz do outro, menos ia na volta, de forma que de meio em meio dedo uma hora as bocas se tocaram, e, como já imaginava eu, se tocaram ainda na pontinha seca da boca, sem repulsa da pedreira mulher. E depois de novo. E de novo. Sem molhar. Em cima, pelo menos. Ela se fingiu de contrariada. “Me deixa sossegar”, disse ela, vejam bem como eu vi, “Me deixa sossegar” puxando pra seu bucho o bucho do sortudo.
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__Bateu a razão. Diacho! Nessa, a doidinha propôs pro doidão: “Eu te beijo e você nunca mais dirige a palavra à minha pessoa.” Diacho de novo! Que ilusão é essa dela? Que beijo nesse mundão redondo é meta de se contar ponto? Promessa sem jeito é mais essa!
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__O dono da confusão negou, porque diz ele ser de palavra. Pelo menos moral, penso eu, porque hoje tava difícil de dobrar a bichinha; só vinha adjetivo, adjetivo, e nada de verbo!
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__Mas tava lá a prova que o querer era de ambos: ela dobrava! Foi o tempo corrido? Foi o verbo atrasado? A razão maior das coisas dominou a bonita? Eu punhava minhas moedas na casa do gosto mesmo, que paixão assim não se mata com beijo, se acende! Ela embirrou porque o mancebo não topava. Brigou sorrindo, jeito de mulher nhanhosa. Doidinha e doidão...
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__Uma hora, no silêncio cumplicizado, ofereceu a moça seu pescoço liso. O bicho ficou fogo e logo tascou bitoca. Foi subindo como todo homem aprendeu. No cume da levada, um roçado: beijaram de igualdade aceitada! Sem roubo: foi de acordo, de cessão, de vontade. Ê, lerê beijo bom! Quem se foi, perdeu a cena. O jornaleiro abriu uma cerveja em brinde: que nem torcedor que tem raiva do time que não marca, mas cujo amor faz comemorar o gol como se raçudo fosse o tempo todo. Vai vender fofoca a rodo...
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__O cabra arretado nem teve assinado o contrato do esquecimento, aquele que ela propôs como trato de beijada. Tava brava ou confusa? Mulher que pensa demais, o que mais odeia é não entender as coisas dela própria. Ele, só olhava, nem ligando, roubando, agora sim, um selo de outro, enquanto ela não calava o beiço. Ponho aqui as palavras que os dois trocaram.
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__— Não mais, Mm, me toca. Não mais me, Mm, beija. Não mais, Mm, me abrace. Larga, larga da minha mão! E nem mais me liga. Não mais conversa comigo. Não me beija, não mais me beija!
__— Tudo isso dá?
__— Á-á-á! Não fala! E nem canta! Não escreve. Nem pensa, não! Não me cheira, não passa seu perfume, não se aproxima, não se mostra, não se acha, não pensa em mim, não escreve seu livro, não atravessa a rua, não fica na calçada, não vai de carro, não pega ônibus, não acredita, não sonha, não imagina, não vai ao curso, não vai à feira, não vai ao restaurante, não pega carona, não vai ao metrô, não aparece, não me aparece!
__— Uai!
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__Parou. Adivinha o que aconteceu? Beijaram de novo! Novato como o molecão, ainda não sabe que mulher que nega tudo, quer tudo. Nas entrelinhas desse palavreado torto, o que ela mais queria era dizer: “Não, Mm, me, Mm, obedeça. Mmm!” Só digo uma coisa: nhanhosa! Até eu fiquei com vontade.
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__Mas tadinha, vai sair daquela hora perdidinha da silva souza, sem saber se fica com o novo ou com o véio. O cabra tem carinho e entende essa situação nó cega; mas apesar de ser moleirão, tem vontade, e, além do mais, o que ele pode fazer? Porque se tem uma coisa que deixa um ser humano doido da vida, é ignorar o chamego que combina na gente. Tuím, mestre, tuím. E ela sabe disso: gostou do beijo, gostou de tudo. Ela pedia pra poder ir embora e o moço, que estava de braço solto e sem pegar nela, nada fazia: por que ela simplesmente não ia? Coisa do coração.
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__Uma hora, foram. Ele acompanhou até o ponto e viu a dengosa sumir na muvuca do busão. Ô, cabra, não vai comprar seu fuca? Levava ela, diacho! Mas bão! Ficamos aqui sem saber se vai dar canja ou seca. No final o indivíduo ainda veio pra mim, olhou de cúmplice, entrou na banca mudo, me pagou calado, e eu só de zôio... Era uma revista de escritor, algo assim. Ousei puxar palavra, ele sorriu desconfiado, e partiu. Nada de fofoca.
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__Chamego, xaxado, cheirinho. E nhanhar. Se toque bom adoça até veneno de cobra, imagina quando se gosta um do outro. Palavra que nada! Povo gosta é de tuím.
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