25 de junho de 2009

Rímen

De branco, cremosa
Amarela, manga e apetite
Doura loira, ombros da sua pele
Cobre fosco, marca do seu sol
Vermelha, suas rendas a dois

Morena caramelo que eu desembrulho
Na prata, no ouro, no escuro
Sua porta semiaberta convida
Por seus ocultos olhares
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9 de junho de 2009

Futuro do pretérito do subjuntivo

Eu, lendo
Três sites, um fotolog, videolog, cinco clipes no Youtube, três perfis de MySpace, um Facebook, Visitem, um Orkut pessoal, um Orkut profissional, MSN pessoal, MSN profissional, Adicionem, site de seu grupo, Flíquer, Blog de poemas, Blog de bobagens, Leiam, 3 frases em portas de banheiro do Centro Cultural, um muro pixado nos Jardins, uma foto no mural de 98 na escola, Comentem, e agora entro Eu, adiantando:
Sou ocupada.

Eu
Mas cadê seu perfume?...

Eu, adiantando
Tá aqui.

Eu
...O perfume que tornou seu.

Eu, adiantando
Tá aqui comigo.

Eu
E cadê você?

Eu, adiantando
Aqui.

Eu te vi. Todas as outras do elenco dançavam curvadas e mancas, sabidas: a rainha estava ao centro, posuda, liderava a dança, exuberando as pernas, sorrindo como rainha, piscando como rainha, flexível, maleável, um corpo de argila pro meu corpo de escultor, o espetáculo capengava mas ela dominava, controlava o ritmo e controlava o público, ela, a abelha rainha, ela com suas súditas, soldadas invejosas, ela contra todas, ela para todos, ela, a musa da noite branca, ela para todos e para mais ninguém além de meus olhos gulosos.

Você é doce...

Nevascou? Nevou ou eu que te beijava? Ventou ou tu que me aquecias? Choveu ou a gente incendiava? Tempo e trânsito agora: garoa na cidade que flui bem. Garoa? Então tudo relativizou. É que são vinte e poucos anos e vários balões murchados na rasa atmosfera de meus anseios sufocados, quem sabia eu que ia ter de novo a sensação da conquista hiper, do beijo tímido, do tudo que se quer com medo de perder, da vida em mãos, de um brilho molhado nos olhos, nos lábios, o primeiro passo de uma noite no roçar de dedos? Eu te queria há meses e você em seu ex ancorada. Quando bate uma paixão dessas, que se espera, que se ouve nas cochias soluçadas, e de repente se tem em mãos, na boca, nos braços, por mais tolo e pueril que eu seja derretido num sonho – contraposto ao macho alfa, eu sei, mas que posso fazer? – tudo em minha volta congela e eu queimo, eu declaro guerra ao sentido horário, eu declaro resistência ao amor de pacotinho, eu declaro luta frente ao domínio das raízes de areia do dinheiro, eu declaro, eu declaro, eu de-cl-AMO!

Você é tão doce...

Pêgo de surpresa. Nós na cama dada, num
pulado tempo, num trocado momento. Eu, você, nós nus, entrega, paixão, paixão, pra te beijar o corpo todo eu curvei até onde eu jamais havia latejado, e você rainha, mãos de musa que não toca, eu não ligava, teu sorriso tudo me dizia. Quantas palavras não circularam nos íntimos odores daquele quarto enquanto as paredes nada ouviam senão o silêncio da cumplicidade. Sim, eu concordo contigo, dá a sensação que a gente se conhece há tempos, sim, eu concordo contigo, foi tudo tão rápido, nem era pra gente estar aqui, sozinhos, em quarto alheio, em cama alheia, em teto de outros amores, eu concordo contigo, veja o sol se espreguiçando pela veneziana, são que horas?, já são seis?, estamos há seis horas encaixando nossos vazios?, quantas vezes respiramos?, eu não sei, estava sem fôlego, risos, risos, silêncio, beijo, beijo, língua, língua, dedos, mãos, pés, pernas, umbigos, mamilos, seio, bundas, que coxas grossas, que corpo quente, que cobertor, o abraço da jibóia, qual é, te apertava até fazer suco, risos, risos, beijo, beijo, dormimos de lábios tocados, de cima dela de cima meu de baixo dela de baixo meu, suave, papilas, gôsto, noite inesquecível.

Você é muito doce.

Eu sei que vou te
Corta.
Tchau? Ei!
Corta.
Espe
Corta. Cena três, claquete cinco. Gravando.

Ele está na cama, deitado, olhando o teto enquanto tem na mão esquerda um livro de poemas de Castro Alves e na direita seu próprio pau melado. Ela chega, cara cansada. Ele pergunta.

— Chegou?
— .
— Veio pela porta?
— .
— Pisando o chão?
— .
— A chave estava com você?
— .
— Está cansada.
— Sim.
— Você tá muda.
— .
— Estava pensando na vida: não serei escravo desse mercado. Pensei na condição dos navios negreiros e então lembrei de você e seu trabalho. Não te associa nada?
— Nem.
— Eu já não sei o que falo com você.
— Desculpe, tô cansada. [Entra vinheta:] Á-Áu.

Faço mal em ser artista e gostar de você. Porque, por ser um deles (eu acho), tenho que lutar contra o estereótipo do artista que só pensa no seu umbigo e suas loucuras, que é amparado mas não ampara, e de certa forma você contribui pra esse est
Não liguei porque tive diarréia.
ótipo. Não, não digo lutar, porque parece que a rotulagem é a ditadura da segurança, mas veja, não dá pra ser conivente com tudo isso. Aí, quando vejo, no MSN abre a janelinha dábliu dábliu dábliu ponto bla bla bla ponto com ponto BR acabou de entrar. Você que põe todos os
Tô nem aí não, sou mais eu.
de Orkut, e pra quê dois perfis de Orkut? Quantos dos mil neguinhos que te adicionam porque curtem sua bunda vão fazer diferença pra você? Tem gente que tá nos dois perfis, catzo! Quando você pede pra lerem seus versos no mural de sua caixa postal, procura uma audiência gratuita? Porque dá a imp
Quem quiser posta, uai.
que é gente querendo divulgação a qualquer custo. Seu perfil é uma tentativa de resumir o que você é ao que você acha de bom em ser, e em todo lugar que te vejo há um banner pedindo leitura, clique. Você é uma
Artista precisa divulgar o trabalho.
e e ainda vem com papinho de que só adiciona quem conhece? Por favor, ó musa da internet, me adicione em seu perfil e serás agraciada com toda a sorte de Gostei, Da hora e Você é linda possível. Que frivolidade! Que punhetação! Você tá me ouvindo?
The message couldn't be sent because contact seems to be offline. Cena três, claquete seis.

Ele está na cama, deitado, olhando o teto enquanto tem na mão esquerda um livro de poemas de Guimarães Rosa e na direita seu próprio pau melado. Ela chega, cara cansada. Ele pergunta.

— Chegou?
— .
— Veio pela porta?
— .
— Pisando o chão?
— .
— A chave estava com você?
— .
— Está cansada.
— Sim.
— Você tá muda.
— .
— Eu já sei como a gente pode melhorar nossa comunicação. Estava lendo os trocadilhos e neologismos de um escritor aí e pensei em criar novos apelidinhos pra você. O que acha?
— Nem.
— Eu já não sei o que falo com você.
— Desculpe, tô cansada. [Entra vinheta:] Ton-tan-tân.

Tanta raiva dele. Eu o odeio, que ódio! Isso é amor reprimido. Se liga! Cuidado, você tá suprindo uma carência dela. Que cara é essa?! Nada. Se liga, eu que dei um basta! Logo vi. Aquele ingrato! Logo vi que
Sorriso de perolegria demoras
Teus fios que plumavam por cima das horas
De ter sob o couro uma grata ironia
A espuma da paz, que sorria, sorria

Ó musa desta noite, chicoteia sob a lua
Os uivos desolados de um lobo tão marcado
Agora vem o verso, vem rimando com tu nua
Moleque clicheteiro, tão lacrado, tão mercado, onde vai a arte?

Talvez seja mesmo o ano da morte
Trombetas da guerra
Travada em mim
Do meu fim

— Pegou, pegou? Eu, guerra, fim? Ok, vamos de novo.

Talvez seja mesmo o ano da morte
Trombetas da guerra
Travada em mim
Do-meu-fim

— Ainda não? Mas você é tão mórbida, como não? Eu... arte... Ahn, ahn? Não? Guerra... Ares... Marte... Mesmo assim, não? Fim... Morte... Não ainda!? Pôrra! Arte, Marte, Morte! Estava tão na cara! Brande sua trombeta
E eu apenas observo de cima, claro
A humanidade não me toca
Um advogado documentando a perda
Da minha própria causa:
O réu deu o créu, meretríssimo.

Meuretríssimo
A ré deu pra trás.

Advogado do diabo
Protesto!

Meuretríssimo
Negado!

CIiente
Eu paguei as contas do telefone à toa, meretríssimo.

Meuretríssimo
Ré, isto é verdade?


Sim, seuretríssimo.

Meuretríssimo
E você retornava?


Nunca, seuretríssimo.

TODOS fazem silêncio.

Meuretríssimo
Desordem, desordem no tribanal!
Corta.
Desordem!
Corta!
Des
Corta. Cena três, claquete sete. Gravando.

Ele está na cama, deitado, olhando o teto enquanto tem na mão esquerda um livro de poemas de Augusto Cury dos Anjos e na direita seu próprio pau melado. Ela chega, cara cansada. Ele pergunta.

— Chegou.
— ?
— Veio pela porta.
— ?
— Pisando o chão.
— ?
— A chave estava com você.
— ?
— Cansada.
— .
— Muda.
— .
— Estava pensando a morte, treinando a emoção para ser feliz. Que fazer diante do morcego que nos observa no escuro? Que fazer diante de seu sibilar augustiante? Líder de si mesmo, e eu aqui enjaulado, querendo voar conti
— Hein?
— É que eu já não sei o que falo com você.
— Desculpe, tô cansada. WoRn A mIlLiOn EaSy NoW, cinco seis sete sevo
cê põe aquele seu perfil
Lindo e alguém olha pra você
Eu digo que já não gosto dele
Que tudo isso é pose e está ficando démodé...
Só de cho
tu, tu, tu
— Alôu?
Tu, tu, tu.
— Alôu?
Tu, tu, tu.
— Á.
Tu, tu, tu.
— Oi?
Tu, tu, tu.
— Olá-á.
Tu, tu, tu.
— Tem alguém aí?
Tu, tu, tu.
— Você está aí?
Tu, tu, tu.
— Me fala alguma coisa.
Tu, tu, tu.
— Eu gosto de você, sabia?
Tu, tu, tu.
— Me retorna.
Tu, tu, tu.
— Eu gozei, sabia?
Tu, tu, tu.
— Não era pra estar falando isso, mas eu gozei.
Tu, tu, tu.
— Mas foi fora.
Tu, tu, tu.
— Eu parei,
Tu, tu, tu.
— tirei,
Tu, tu.
— bati o finzinho,
Tu.
— gozei,
Tu, tu, tu.
— E entutão eu tuvi votucê todatu abertuta, destufalecituda, pentusei estartu sonhantudo mas etura retual, e entutão percetubi que atu razãotu de existutir era nós, tu, nós, tu, nós, tu, entendeu, tu, entendeu, tu, tá ouvindo, tu, sacou, tu, bonzinho, tu, bonzinho, tu, ser tu tumano maratuvilhoso, tu, gentutil, gentuamatuvel, e então eu saquei, eu, sim, eu, que eu tinha que eu ter pensado eu em mais eu que eu que eu que tu!

[Som de telefone mudo]

É uma doença filha da puta. Coisa de sociedade moderna. Essa porra de neoliberalismo que faz a gente querer tudo em cápsulas de alta absorção. Faz desacreditar na continuidade. Quer benefício de pós-pago no primeiro mês de pré-pago. E o trabalho? E a crença? E a união pelos direitos? É claro que cada um por si vai ficar tudo cego. Em vez de ajuda, comprimidos. Em vez de diálogo, monólogos em perfis de páginas da internet. Não é que falta espelho nessa porra, é que não se fabricam mais luzes de teto. Bastam os faróis dos seios ou o joinha carimbado na carteira de trabalho. Se eu fosse dizer pro meu filho seguir uma carreira que tivesse certeza de sucesso, eu diria pra ele fazer Química ou Farmácia. Do jeito que os homens estão se sujeitando às receitas, o futuro só pode ser o das cápsulas! Por falar nisso, preciso dormir. Me passa a água. Preciso dormir, que acabei de me despedir de uma moça no metrô.
Perto da catraca acena a bela moça
O rosto sob os cabelos negros
Nenhuma alegria faiscou em seus olhos
Ouvi o eco de um profundo precipício
O bondoso e gentil escárnio de seu sorriso
Soterrando meus anseios sobre a própria casa
Da inscrição nietzscheana
Aos que entrarem, uma honra
E não haviam paredes, nem chão
Uma casa muito engraçada
Era uma tela no monitor de meu trabalho
Chegou trabalho! Ou melhor: Corta! Cena três, claquete oito.

Ele está na cama, deitado, olhando o teto enquanto tem na mão esquerda um livro de poemas de Mário Bortolotto e na direita seu próprio pau melado. Ela chega, cara cansada. Ele:

— Pop up!
— Fechar.
— Me dá um bei
— Fechar.
— Que tal essa
— Fechar.
— Você vai ho
— Ahhhhh, te odeio, te odeio, te odeio!

Relâmpago.

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez segundos.

Trovão.


Um desfibrilador.


Pupilas dilatadas.

Procurei a marca deixada no lençol, mas nele estavam apenas os restos petrificados de meu sêmen escapulido. Nenhuma curva, dobra, nenhuma profundeza no meu colchão. A chave estava no apartamento, a porta fechada por dentro. A janela, meu deus, a janela! Nada. Fechada como um túmulo. Sobre ele, livros, filmes, poemas guardados. Nem traças sobrevoam. Quis me despedir, mas tive sequer uma fagulha de clara lucidez pra poder saber se foi naquela cama que nos deitamos, ou se tristemente as nuvens foram cenário de um universo mítico endeusado pelos mais tolos e românticos prazeres de meus triplos, quádruplos sorrisos. Vai com
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4 de junho de 2009

Oi, rato

A razão de um ofício é trabalhar até
alcançar
o próprio inuso.


O sonho de um ser necessário
— se realmente necessário
— é não ser mais necessário

Qual objetivo de um médico
senão a saúde total de todos os seres?

Qual o do engenheiro senão
a mais harmoniosa logística humana?

E do advogado
senão a Justiça?

Da doença, do caos, do corrupto
A utopia justifica

Mas e o ator?
O que justifica o ator?
O que valoriza o teatro?

Que ator trabalha
almejando a própria
inutilidade?


O que o faz útil?
O que faz inútil?
O que faria?

Quantos fracassucessos
Quantas carreiras
Quantos anúncios

Se pensar ator vira

Ra-to
Quais antidepressivos não tomarei
Quando fazer as mesmas perguntas
Trocando os palcos pelos anúncios?

Que diferença faz eu publicitário?
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