28 de julho de 2008

O branco piscar de meus olhos

__Dizia à Teresa, que apesar da raridade de conversas nossas, dos poucos mimos e cheirinhos trocados ao longo da vivência, e quase até mesmo da não essencialidade aparente com que poderia passar um sem o outro, dizia à Teresa “eu gosto de você”, e eu ia dizendo meio dito sem prolongação, seco e pautado como fui, quatro palavras ou pouco mais que isso, querendo tomar o caminho que desaguaria nas sinceras e ursinhas revelações de amizade esquisita e indemonstrada, em praia de acenos e despedidas, a última chance de se cantar as homenagens contidas, choranrindo, “foi depois daquela conversa que passei a te ver de jeito mais admiroso”, “gelado, silencioso e pontual, mas como irmão, é como te quero sorrindo no topo”, “não sei se você de mim, mas eu gosto muito de você”, e muito mais fofonhices abraçais, bobas-mas-sinceras, quando Vitória flagrou red-handed, blink-eyed, o tremelique das pálpebras, o corte no filme, o remendo no tecido, o silencioso gaguejar de minhas virtudes, e anunciou à toda mesa o caráter do crime incontido de fechar de olhos. “Quem fecha o olho pra falar, quer dizer que é falso.”
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__O parceiro que escancara os pontos fracos de seu comparsa, a filha que desmente a mãe perante o tribunal, o sancho que escarnece de quixote quando em sua sanidade, as suspeita levantada sobre a proveniência de rubis presenteados pelo arlequim à princesa durante seu baile de quinze anos, são tantos exemplos, mas tantos tão distantes do assalto sofrido com a acusação de falsidade, que me foi impossível, pois paralisado, dizer qualquer palavra de desapontamento. “Por quê?” “Por que as taxativas travessuras?” “Por que o desejo de arrancar minha pele como uma máscara teatral e apontar em riste à carne exposta, exclamando ser aquela feição a verdadeira diretora que se esconde atrás dos panos, em cujos palcos se apresentam atores amadores que, na apoteose, piscam inorgânicos?”
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__Estando o pai longe de casa, distante da casa das duas mulheres, o filho não teve conversas sujas, másculas ou viscerais. Talvez o pai acreditasse que o filho estivesse preparado e guerreiro, e que seus conselhos e tirações beirariam a tolice de quem, tradicional de passado austero e pároco, aconselha ao jovem a malandragem das vielas de carnaval. Nas iscas lançadas ao mar gelado, nunca um peixe de aflição, felicidade ou sacanagem. A proximidade do lançamento gancho assemelhava-se ao frio intestinal e ao descontrole retal de um adolescente que disca o telefone sem nunca completar a ligação à garota com quem deseja sair ao cinema. De francas, sempre somente as conversas augustas, nunca as ruaugustas, ao filho tanto carecidas; e foi desse ártico de onde o filho aprendeu a disfarçar amores, contornar objetividades, abafar os pulsos.
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__O filho não se lembra qual foi a última vez que disse “eu te amo” à mãe, à irmã e ao pai; prefere as cadeiras afastadas, onde pode apreciar silencioso o banquete familiar; e não sabe abraçar com ternura e sem pudor o amigo que chora ou se alegra. Mas não dizer “eu te amo” não quer dizer que o filho não ame a mãe, a irmã e o pai; a escolha do assento e do silêncio não deveria induzir à conclusão de que o filho odeia a convivência e se cala por desgosto; o tropeço do abraço, ou mesmo o congelamento, não redundam em frieza de alma. Por que taxar de estéril o filho que gagueja, treme e pisca? Por que carimbar falsidade à 'insegurança' de quem sempre 'segurou' consigo os brinquedos mais coloridos, por medo de quebrarem? Por que não abrir o tribunal à palavra das reações psicossomáticas, reflexos de um corpo destreinado, inapto a expor as vontades guardas, hesitante a ceder a chave que abre o baú de rubis mediterrâneos, tal como as pernas que convulsionam os joelhos quando as mãos se esticam para tocarem o inalcançável dedão do pé, ou tal como os olhos que, confusos, bancam os idiotas ao fecharem os portais da alma justo no momento em que a flama invisível do amor desinteressado saltava o abismo do tempo para pousar bela como uma fênix, nos jardins da íris, no buraco negro da retina e nas águas da memória as sementes de sinceridade nunca dantes naqueles campos semeadas?
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__O paradoxo do bom escritor, péssimo orador? Que jorra estrofes de poesia escrita, mas incapaz de modelar uma confissão falada? As flores imaginadas de seus versos são as mentiras de uma realidade pálida? Um excelente redator de manuais de aeronaves, pois o que se eleva é o piloto que não as lê? Pois porra que bastamarras, bastamarras, porque, porque ;0
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__porque no entanto, no entanto, o filho quer voar, quer voar e chegar, sem planejar, sem pensar, quer dizer que ama Teresa, Vitória e Shirlei, que as ama sem ciúme, que as ama de querer bem, que as ama de morder as bochechas envergonhadas, que ama suas peles, seus olhos, sorrisos, dengos e medos, e vai mostrar com simpáticos dentes que no Ártico onde o filho aprendeu a ser o que será-era, os esquimós identificam dezenas de tonalidades de branco, dezenas de branco, e há nesse esquimó dezenas de matizes de branco amor, brancos de quem cresceu na geleira das almas, não brancos de sem-cor, mas brancos de luz, quantos brancos forem precisos, nunca o mesmo branco que dedico a cada uma, hoje o filho só saberia iluminar as dificuldades da exposição por meio de um quadro Monetista, pouco provável que o conseguisse no mirar dos olhos, mas só hoje, só até hoje a pasmaceira, trema mesmo, trema sem vergonha, só hoje o branco é névoa, só hoje, seus queira, porque para elas, o amor delas, especialmente porque graças a elas, Teresa, Vitória e Shirlei, o filho pôs a mão no bolso onde está a chave do baú, o filho estudou largar os brinquedos coloridos no parque, o filho abriu o cu do certinhismo, o filho des(r)ancorou do pólo restrito, e onda a onda, brilho a brilho, vai, filho, vai, pai, vai, irmã, mãe e irmãs, aos poucos vejam que meu sorriso não tem o mesmo branco e muito menos tem de amarelo cinza ocre, que meus tropeços de patinho feio, bem, são tropeços, quem não?, mas eu amo vocês, não se melem, eu amo vocês, venha pai para os trópicos, venha mãe matar a sede de abraços derretidos, venham amigos, venham, com ou sem piscar de olhos tímidos, a flama louca aterrissa no alvo de seus olhos expectativos, o corpo menos tensiona e segura, e mais dança e abraça e afaga, e no fim de tudo, no fim-começo de tudo, entrego-me-lhes em beijos rubis, vocês em eternos quinze anos, eu em eternos arlequins de brancos losangos, cada um sendo uma, tecidas no manto que orgulhosamente ostento, exuberantes como os beijos carnudos que molho nas bochechas desprevinidas de suas tão brancas amizades.
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__Boa viagem. Eu... bem, eu amo vocês.
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20 de julho de 2008

A estréia de Batman

__Nada mais Gothan City que assistir uma dança batmaníaca gratuita como uma gorjeta tremenda como um mendiga suja como a terra que sedimenta a funta catarse duma consciência comprada por leis superiores de dentro e fora da opressora cidade de centro fétido como o de São Paulo, onde fui assistir tal dança batmaníaca.
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__Arfando? Melhor. Dracula em mim solitário errante um bicho, bicho porque sem forma, que apavora o cauto que há tantos meses construí sob a tutela macia e acolhedora do Onipresentesciente — e quase potente, quase porque: isso aqui. Seus olhos, os olhos desse bicho, brilham como os sinaleiros do auto mar, flamejando com os últimos e primeiros wats, demoradando à espera do cargueiro cruzar o oceano entre suas faíscas. Dois sinaleiros entre os quais eu mergulharia, não fosse medo do escuro, mais precisamente desta caverna de Sila. Lá de dentro, me esperam — atrás de mim a lua cheia, à frente os sinaleiros de âmbar — mil cabeças, quantos olhos, quantas luzes, e um silvo, um sopro, um arfo, o meu arfo, e aquilo, meu deus, aquilo… sibila!
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__Como um homem pode ser confiável, se não suporta a própria companhia? Como, se a solidão lhe faz acometerem idéias, prisões, torturas, delírios? Como um homem que batuca os pés em solidão, dorme ou vagueia pelo payperview pra se distrair de si próprio, pode ser digno da confiança de alguém resoluto e demianesco? — Eu, eu os sofro em multidão! — O que não quer dizer que de minha autocompanhia prosperem diálogos construtivos. Ao contrário. Nada mais Gothan City que do alto de uma torre observar as luzes dos faróis rubro-esmeraldinos, dos postes alvi-alaranjados, tantos pontos de luz difusos na neblina se perdendo na pupila dilatada de quem olha a si mesmo em procura de... veias sibilantes!
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__Eu estava lá, mirando os robóticos vagalumes a retornarem às garagens da prosperidade, também folheando a encardida programação do dia, de robe aberto no peito, acariciando meus botões de desligar, planejando a minha queda à cama e meu retorno triunfante ao dia seguinte, quando aquele assassinato embarcou pelos feixes de luz difusa e pousou na dilatada e reticente pupila, e projeto no cinema de rolo memória picotes, remendos, falhas, chiados, e ainda assim fascínios, deslumbres de um dia quisassim.
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__Eu poderia? Poderia. Tempo, dava. De carro ainda mais. Cansado e mal pago, ligaria o automóvel, pararia em alguns faróis, dirigiria atento aos transeuntes suspeitos, estacionaria num qualquer buraco de cinco reais a meia hora, reclamaria do preço, tomaria um café pra combinar com toda a cena, assistiria ao espetáculo e torceria para alguma conhecida e por sorte solitária trombar na saída, trocar três sorrisos e aceitar o convite à torre, que ela resistiria inicialmente, mas que, ao final das onze horas, daria de ombros, se entregaria ao poder fálico dum motor dois ponto zero somado ao de uma cama de casal gratuita e disponível, e justificaria o estacionamento, os faróis, a vigilância, o café, enfim, o investimento ao qual naturalmente aceitei conforme o passar de minha carreira.
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__Mas o molho de chaves ficou sobre a mesa. Não carros. Não parkings. Não gente. Não vagina. Sim rua. Sim medo. Sim mijo. Sim eu.
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__“Bane…”
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__Ele na mira, fora do tanque. Eu saio.
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__Senhoras e senhores, damas e cavaleiros, hoje à noite temos, no cardápio, a minha vida. Comecem chupando-a-me-lhe o sangue, depois não se sintam medidos e fodam à vontade, vós os monsier-mins. Tomem-me-se-lhe abraçado com algum cartaz antigo colado com grude nos muros duma paróquia em reforma e dancem conforme a sombra destes candelabros de neon que enfeitam nossas passarelas perfumadas de urina.
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__Fly.
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__Can die.
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__Can try.
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__Daí que pus o calçado de amortecimento, a blusa moleton de ficar em casa, a carteira e, à sinfonia angustiante do leal cão abandonado antes da sua hora de ir pra cama, passei pelas chaves do carro, desci da torre de vigia e tomei o primeiro ônibus.
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__Destino: centro.
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__Como o quarentão divorciado que reencontra o amor de seu colégio, tal foi o brilho do fosco centro refletido nas janelas do trole que me dirigia. (Dito fosco, não por mim, como percebem.) Lembrei-me daquela paixão à primeira visita, quando boquiaberto permiti que seu hálito embriagado efluísse para minhas cavidades, quando o buraco do diabo tornou-se meu céu, a morada pretendida dum anjo caído ao acaso, errante nato das nuvens, como suas labaredas de âmbar se espreguiçavam pelas paredes centenárias dum bairro decadente, e com suas flâmulas me explodiam à lua, às estrelas nunca tocadas, um bebê que é jogado pelo pai pra cima e ri inocente, ignorante duma possível queda, confiante nos braços, alegre, radiante, nunca iria cair, nunca iria sofrer, nunca iria chorar nos braços das flâmulas, berço de minha veia solitária, pois a noite é minha, e eu misturar-me-ia aos seres das trevas, aos bêbados, às putas, às pulgas, aos ambulantes, aos bicheiros, aos michês, à chamada escória da cidade, aos deskassabianos, e conviveria, trazendo desse esgoto e da luz de Clark a vida que lhe faltava no esquecido submundo oprimido pelos estabanados e espuçuentos objetivos de vida metropolitana.
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__Pouco mais que naquela ocasião, meu promotor avisara-me: cuidado. A cidade não é o que pensa. Você não vive aqui. Não seja como as adolescentes que descobrem a música e decidem dela e nela viver. Não se esqueça que é o pai que as mantém na arte. Não se esqueça da ilusão das altas classes. É a tradição. O centro, meu caro, morreu. O centro é Baraka. O centro é barata, rato, é i-mundo. E não quero te ver metido com as doenças venéreas presentes só naqueles que gozam a vida sem a proteção anunciada. Proteja-se. E reze.
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__Nada mais Gothan City que assistir uma dança batmaníaca gratuita como uma gorjeta tremenda como um mendiga suja como a terra que sedimenta a funta catarse duma consciência comprada por leis superiores de dentro e fora da opressora cidade de centro fétido como o de São Paulo, onde fui assistir tal dança batmaníaca. Onde encontrei minha adolescente pobre e lívida, minha ninfa esfomeada e gulosa, seus pentelhos ralos e sinceros, a adormecerem nos meus.
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__Traí meu promotor.
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__“Bom filho ao lar retorna”, disse A. “Teu lar tem coberta, água encanada e conta paga”, disse Z. E entre, um alfabeto de diferentes opiniões, receios e convicções. Mendigos, putas, michês, donos de sebos, cantoras de karaokê, manos cegos, minas surdas, vai-vem de tipos carcomidos, olheirentas, re-traídos, mal comidas, funcionários públicos, taxistas, jornaleiros, Brasileirinhas, filmes inéditos, vendedores sob rodas, nicotinas, dréiers, emos, as mais nojenas franjas a cobrir sobrancelhas, gorros, capuzes, homens de papel, os esquecidos, as sombras de carne, o bafo de pedra, tudo num olhar âmbar anhangabauense. Mas, confesso, essa a luz minha preferida dilui a sensibilidade às cores, que certamente existem nesse jeito rôto de se ser no centrão. Sou daltônico, mímope, hipermetrópole, e astigmata, principalmente quando olho pra tal negrume, ou fito por horas as faíscas que, meu deus!… Sibilam! Que, se por um lado, no silêncio da torre, sinfonizam Éolo enfurecido, por outro, nos rumores dessas ruas, reagem como detector de bombas quando próximo à mina. Tipo coração in ritmo passionata. Tipo feliz perante os seus.
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__O expresso enfurecido escava o ar macilento que rufa nos canteiros centrais dessas velhas avenidas. É meu ponto, desço. Ainda é cedo, paro numa lanchonete e peço um mate e um salgado, com o frio na barriga que se sente quando se arrisca a vida numa bobeira qualquer, uma roleta russa gástrica são as encardidas lanchonetes cinqüentenárias desse bairro raquítico. — Mal sei eu que podem ser tão limpas, ou tão sujas, quanto a cozinha dum Itaim, Olímpia ou Jardins; somente a fachada justifica o preço a que nos submetemos. — Enfim, tudo desce bem. Vergonha.
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__Se poucos são os que aceitam o desafio a muitos indigesto de conferir um espetáculo gratuito no Largo Paissandu, ainda mais escassos são os que, como fui, aparecem sem a companhia de uma namorada alternativa, de um barbudo fefelento ou de seu melhor amigo gay-sensível. Poucos, poucos. Mas enchem a sala. Uma dupla sensação de altivez solitária e encabulamento me levam à primeira fileira, local pouco compreendido no círculo culturalizante. O que me trouxe àli? O mesmo que Batman.
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__Eles dançavam e tremiam, pulavam e tropeçavam, suavam e amoleciam, surpreendiam num minuto e embocejavam depois, num geral médio, interessante porém nada imperdível. Mas foi o contexto. O todo me tocou. Foi a soma de história em quadrinhos (e seu significado) mais dança mais centro mais medo, que pulverizou, ou melhor, semeou pulverizado, negras daninhas em minha flora esterilizada, a ameaçarem meus frutos repletos de tamanho e forma, porém, como as maiores e suspeitas maçãs, tão carentes de sabor. Alívio e desconfiança. Um pé à frente, passo de corpo, e outro atrás, inseguro, feliz com o holerite. Batman, arte, dança, máscaras, lutas? O que simbolizam nessa sombra que me acolhe e empurra? E os vilões? E as gothans, os coringas, os duas-caras, os pingüins, os assassinos, os treinamentos, bruces, mansões, de quê são esses sinaleiros que, faiscando ao longe, crescendo ao perto oh-meu-deus, ameaçadores me sibilam?!
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__Dou esmola a mendigo, converso com morador de rua — eu o entendo e admiro, tem nego que mora por opção — em puteiro eu converso, digo que respeito confesso somos, minha diarista se chama Maria, veio da Bahia, dou bom-dia a porteiro Severino, ontem levantei um brinde na Filosofia de Alcova, a mais nova choperia no coração da Vila Madalena, com público universitário, gente bonita e descontraída, R$10 a caipirinha de vodca, aulas de samba-rock, valet e pagode sem negros, mas hoje, hoje eu vou ao centro chique, rir de um esquete, stand up, dançar ao som frenético, estaca bate, tantos sorrisos, tantos sorrisos iguais, tantos sorrisos iguais, tantos sorrisos iguais mascarando o desespero transviado, a guerra silenciosa, a guerra amigosa, Duas-Caras presente, Coringa presente, o gás hilariante é o peido de nossa digestão entupida por comida fast-life comoditizada, ilizada, irisada, risada.
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__Empapuçados de mídia, propaganda, jornal, consumo, o que é de bom a gente aceita, o que é de ruim nosso rim consciental transforma em mijo, e sai, vejam bem, pelo mesmo canto onde chamamos de vergonhas, vergonhas secretas e tão praticadas. Por que, afinal, vergonha? As sementes pulverizadas, socadas no útero de minha mente esquecente, foram regadas com o gozo sincero duma noite sincera, duma noite que agradeço ao passado por ter me permitido querer um dia, atingidas pela urina, o que meu corpo não quis mas minha mente recebeu, e o fedor quente e humano fez brotarem instintos que há décadas de avenidas existências não davam seus monstros à tapa na beira de minha cama maternal, cresce, cresce, cresce, cresce com chuva de ouro! chuva de ouro! Chuva de ouro! Ouro! Ouro! Milionário posso! Décadas de avenidas existências, sem por becos traumáticos, em busca de mil cédulas-senha, meus braços encurtados, minhas costas frouxas, minhas dores de coluna, meus bíceps inchados, escolas-mundo, terapia-remédio, balada-saída, o sorriso coringa das noites populares, a poesia-torpecimento, todo o não-trabalho justificado pela embriaguez da consciência, o duas-carismo necessário, o apego ao poder das armas, Gothan assassina, a assassina de meus pais no beco, queriam as jóias na saída dum teatro, assassina livre, assassinarcaótica, do amor nunca despertado, do amor amormecido, massa, massassina, massa cinzenta, cor que fala de ti, razão mesquinha, nunca, quase nunca, mas não nunca, nunca só até hoje, até hoje, porque hoje ele desperta, chuva de ouro, que junta o por no que, que endireita a interrogação, vai revirar a cidade, fazer de Gothan um tango, o amor, o amor a mim, amor a você, amor meu grande amor, deixado na gaveta junto às camisinhas de minha adolescência, tinjamo-nos-me-lhe-se-vos de sangue, que o sangue se refaz, a cidade toda vai virar rubra e intumescida, e não será de vergonha, não será de vergonha, não será de vergon… haha!
__
__Eu posso fugir. Fugir. Ao som de lamentos dos cães postos pra dormir antes da hora. Fugir, e crescer, e aprender, e apanhar, e treinar, e preparar, e domar. E voltar.
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__Can try.
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__Can die.
__
__Fly.
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__A opinião pública, e púbica, certamente se convencerá de minhas decisões por hora loucas e vermes; e aceitará conforme, obviamente, o tamanho do cartaz. Por pagar-se bem ou pagar-se mal, procurado. Um achado. Sem capas. Sem máscaras. Sem duas-caras ou sorrisos mortos loucos. Milionário de si, decidido de se, alado. Sempre de lua cheia.
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__Destino: bairro. No silêncio madrugal o ônibus faz o escândalo. Lá fora. Porque o som aqui, no entanto, é mudo. Um zunido de tímpano pós explodido. Não, não é zunido. É um som que abafa o resto, chama, cala, magnetiza. Os sinaleiros ao meu redor, pós mergulho, são mais que luzes, são toques, são agulhas. Os passos. Os respiros. E ao fundo, ele me acompanha, me regurgita as memórias do assassinato que se diluiu no tempo e agora borbulha seqüelas irrepreensíveis, cantando ao nível subsonoro um algo que sibila.
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__Nada mais Gothan City, que dançar batmaníaco, no beco onde a minha sede se fez fonte.
__
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3 de julho de 2008

Fatia de vida

Uma campanha nos portais
— cinco fatias de bolo
Dois e-mails-marketing
— quatro fatias de bolo
Uma chamadinha simples
— meia fatia, sem chantilly.

E dia-a-dia a gente engorda
corpo mente alma
e corre, Lolo, corre
devorando share of life
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30 de junho de 2008

Sendo sido

Perguntaram
quem sou eu.

Quem cê é.
Quem sou eu?
Se era, é.
Se era, sou?
Se era se.
Se ero se?
Se se era...
Erô-se...


Sendo sido! — respondi,
clareando confusão.

Expliquei:

— Tem quem se é sido
No rio é levado
No outro erguido
Casa em casado

Conselho e bedelho
Postura e futuro
Misso e compromissa
Segurança poupadinha

Melhor não arriscar

Tal o sido:
Vida particípio
Vida passivo
Pouco d'eu participado
Objeto implicado
Cado sem cador
Cado sem cante
O eu que fuiado

É o que tem pra hoje:
Determinado

— Mas também tem
quem vai sendo
Quem vai indo
Quem vai testando
Até se ferrando

Herói vai que é
Arrisca-petisca
No sonho belisca

Não sem-juízo
Ou louco em telha

Pra ser sendo
Tem que tecendo

Lutando e suando
Às vezes só ouvindo
Mas sem se ouvir:
Só cheirando

Mais que creditado:
É acreditado
E, palpite, só coração

Infinito infinitivo
Quem tem fome d'irindo

É o que tem pra amanhã:
Existando

Se sou pró dum um
Ou próprio doutro?
Não faço lado
E nem faço lindo.

Tou sido sendo
Sou cedo sindo

— Segurância, é:
Escuto sim vários ois
Escolho sim meus bois
Sem olhar sim depois

Tornei-me naquele dia que fui, e
Onde fui me tornaram assim.
O que sou é o tornado, que
Começou quando fui-me pra mim

(Gira gira
corda cobra
come o rabo
do sem fim)

— A gente se torna assim:
quando torna sozinho vezes quando tornado no caminho

Do particípio não nego:
Participo
Pro infinitivo mils deixo:
O infinito

Tenho parte dos que me contam
Idem pros que me bem-vindam
E principal dos que me encontram
Desses eu que me vêm indo
__
__

9 de junho de 2008

Tartamuguear

I. Do elo

Vertem dessa fonte dois poemas bem distintos
Nada que é dos pólos, da razão ou dos instintos

Livre flui sai sim nem penso, vem sem denso
Ou nem vício
O pensado... jaz pré-tenso e, pois pretenso
Nem o início!


II. Unidos do Caeiro

Mendigando palavrinhas
Qualquer uma serve pra mim
Quem centavo passa o dia
Um ganha-não, dez ganha-sim
Mendigando palavrinhas
Qualquer uma serve pra mim
Quem centavo passa o dia
Um ganha-não, dez ganha-sim
- quem disse?

Quem disse que poema é chorar?
Quem disse que poema é sofrer?
Só choro quando falto em falar
Só sofro quando falta prazer
Quem disse que poema é corar?
Ou sofre pruma rima a valer?
Só coro quando falto em falar
Feliz quando minha rima é você
- eu sambo!

Ah, eu sambo no verbo
No faro
No
lero
Ela volta pra mim!
Malandro, gatuno, gaiato
Oportuno do mato

Pinga nimim


III. Ais, ais, ai-ais, teria chegado a hora

O meu medalhão que ornei
Não creio que esteja tão... tão
Ninguém tem um trocado pra Reis
Perdi o meu valor na inflação
Aquele tal verbo que há
Já houve, não haja mais
Ô, verso, que da boca virá
Vê se me desemboca os meus ais

Que palavra esqueci ferida?
Qual linha me foi roubada?
Verbadeputaparida
Ou seria... saudadada!?

Saudadada!...

IV. (colocar o título depois)

Nem lembro o que ia dizer
Que fez-me o poema abrir
Dá nisso, no meio ir dormir
Quem vai poder me ajudar?

V. Saudadada





__Ah, não, chega. "Saudadada" é forçar a barra. Suspende o samba. É o fim. Chega.

__O fato é que eu quis exprimir a contraditória situação que encaro toda vez que sinto o santo e sento a pena. Mas dessa vez, não deu. É mania minha de querer fazer Bilacs o que poderia muito bem acabar Andrades. Por causa dessa burocracia poética, tá lá, o meu caderno de anotações, empilhando pensamentos enquanto o tec-tec não escoa tal demanda.

__E não é repressão, não. Eu queria fechar o texto, seja poema ou prosa, de uma forma que ficassem bem entendidos os grandes temas que carrego, temas que, sem coragem que me faça escrevê-los, ou à espera pelo "momento certo", apodrecem — e a matéria pesa, quando morta. Pesa porque, quando resgato os rascunhos faiscados no caminho ao trabalho, escola ou sono, eles já não estão mais lá. Ficam as palavras, morrem as intenções. E plástica por plástica, palavra por palavra, prefiro não dizer.

__Talvez seja repressão: é proibido errar!

__E não dizer arrepende. Então tento. Então forço. Então abandono. Talvez seja disso a causa deste blog empoeirado, vulgo "laboratório literário" do cara que, puxa!, escreveu tão bem sobre o seu nascimento humano em 1984 e tão mal sobre a morte de um poema na bandeja forno de só uma cabeça, que é carente de tempo e gás.

__Diferente das poesias que brisam. Eu escrevo, pá, nada espero, e pronto. Sem pretensões, flui. Não digo que são primorosas, ao contrário: só me recordo daquelas que arquitetei com afinco. Mas também, essas "menores" não deixam estancar a veia que, acredito, tenho de poética.

__Um medalhão de ouro tanto custa a vigília, mas o tempo, a rotina, o pramanhã, o frila, são todos gatunos desta sociedade que te rouba numa escapadela.

__Já o centavo que tanto circula, perde um, ganha outro, nunca falta à mão e com ele pago minhas cervejas, com ele ganho minhas noites, às vezes beijos.

__Numa metáfora ridícula (porque me faltam sacos) digo que o valor vernaculal, o valor da idéia, só rende quando aplicada num fundo de investimento. Se deixar na poupança preguiçosa, o máximo que vai conquistar é um duvidoso sucesso póstumo.

__Das poesias que criei sem compromisso, nada lembro do quê, quando ou como. Esqueci! Por outro lado, aquelas que ainda guardo debaixo do braço, despertam-me no meio da noite, durante o trabalho, na ida pra casa. São fantasmas de idéias que deixei morrer por descuido. Não querem pensões. Querem justiça. E o que sou? Fruto daquilo que fiz, do que já nem lembro? Ou fruto do que não fiz, mas que apodrece na memória dos poemas mortos?

__Às vezes alguns namoros morrem porque arquiteto encontros, sensações, conteúdo. Fica plástico, mi-mi-mi, mu-mu-mu, mó-mó-mó. Tola expectativa: acredito que assim serão "memoráveis, imortais", de vez em quando um verso livre, sem rimar, pra não estancar a tinta, e blá. Mas o fluxo, o fluxo romântico, se assemelha ao dos poemas do caderno. Murcham de tédio. Desalinham de esquecimento. Envelhecem no asilo. Talvez ganhem sua vez, mas tal burocracia só os libertará postumamente, enquanto, inútil, hoje dedico meu tempo livre a tartamuguear.
__
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22 de maio de 2008

Saudade

__— Queria dizer que sinto alguma coisa por você mas não sei dizer o que é.
__— O que é?
__— Não sei.
__— Então não deve ser importante.
__— É sim. Eu acho. Não achei. Pelo menos era.
__— Pule.
__— Já pulei, mas quero voltar.
__— Pule a volta.
__— Não… Mas que saco, eu sinto a ponta da língua mutilada. Cheguei muito perto, mas não consigo chegar lá. Como se chama essa sensação de que antes você sabia, e que não sabe mais, mas você percebe que não sabe mais algo que sabia, e tenta voltar a saber, mas em vão?
__— “Loucura.”
__— Não. É sério. Queria saber por que sinto essa sensação do negativo de uma foto, mas de um fato que aconteceu e que não se sente mais a presença, apenas a ausência?
__— “Loucura.”
__— É sério!
__— Loucura, hehe.
__— É sério. Um buraco negro me puxa toda hora, e só essa sensação, cujo nome estava na ponta da língua, ponta que foi cortada, poderia neutralizar.
__— Vai ver essa palavra deixou de existir. Os eleitos vivem mudando a língua da gente, vai ver foi alguma palavra que foi aposentada na última reforma ortográfica.
__— Será possível?
__— Seria bem possível.
__— É um absurdo isso que os eleitos fazem de nossa língua? Diga: você ama o governo?
__— O quê?
__— Você ama nossos políticos?
__— Não sei.
__— Ama ou não ama?
__— Não sei! Que diferença pode fazer? Todos amam. É possível não amar?
__— Não sei. Esse… não amar… qual o oposto de amar?
__— Sei lá eu. Por que me pegou pra tantas perguntas? Primeiro, essa palavra que você sente mas não sabe dizer o que é. Depois, amar e não amar. Pra quê tudo isso? Onde quer chegar?
__— Uma vez me perguntaram se eu amava o governo. Respondi que sim porque não sabia qual era o diferente de amar. Eu acho que deixamos de não-amar no mesmo dia que deixamos de saber o que se sente quando se sente algo que mais não está nos fazendo sentir.
__— Quê?!
__— É estranho. Vejo a palavra “feliz” em todos os cantos. Também vejo “democracia, democrático”. Mas o que é ser feliz? O que é ser democrata? “Ainda mais bonito”. “Em forma”. “Do povo”. “Moderno”. “Atual”. “Sucesso”. “Bem-estar”. “Orgasmo”. Tudo é feliz, democrático, ainda mais bonito, ainda mais em forma, moderno, do povo e por aí vai. Absolutamente tudo, tudo, tudo! Mas o que é o contrário disso? E, afinal de contas, porque tudo tem que ser escrito assim, feliz e democrático?
__— Como assim, “tem que ser assim”? Como viveremos em sociedade se não formos felizes e democráticos?
__— Mas o que seria do mundo se não fosse a felicidade e a democracia?
__— Não seríamos felizes e democráticos!
__— Mas o que representa não ser feliz e democrático?!
__— É o contrário do que somos!
__— E o que é o contrário do que somos?!
__— E eu que sei?! Sempre fui feliz e democrático, como vou saber?
__— Se você sempre foi, como sabe que é feliz e democrático, ou o contrário?
__— Todos me dizem, oras.
__— Mas deve haver algum motivo.
__— Deve ser pelo mesmo motivo que todos os humanos têm dois olhos. É natural. Não ser feliz é contra a natureza. Não ser democrático é contra a natureza. Não amar é contra a natureza. Todos os seres humanos chegaram a nossa era graças a isso, seleção natural dos felizes, seleção natural pela democracia.
__— E como seria o… não-isso?
__— Seria um inferno. Seríamos animais.
__— Mas os animais não são da natureza?
__— Chega!
__— Tá… desculpe.
__— Tudo bem.
__— Só não me conformo.
__— Com o quê?
__— Não saber algo que parece estar na ponta da língua.
__— É porque você não deve saber, bolas. É como se fosse… de javù. Sabe? Aquela sensação de viver algo que sentimos que já foi vivido antes? É tudo uma confusão do cérebro, foi provado nos laboratórios.
__— Acho que a sensação que eu sinto é o contrário de de javù. Uma sensação de não viver mais algo que já sentimos ou vivemos outrora.
__— Confuso. Você pensa demais.
__— Enfim. Vou ficar devendo essa palavra.
__— Pode ficar com ela.
__— Não, não a tenho.
__— Mesmo assim. Faço questão.
__— Mas essa coisa não se sente sozinho. Quer dizer… eu acho. Era alguma coisa por alguém, ou coisa. Enfim. Já não sei o que é. O que essa sensação significa, hoje eu sinto isso por ela. É como uma “meta…”
__— Metalinguagem.
__— Isso. Escrever sobre escrever. Sentir um sentimento que se sente pelo sentimento sentido… Meu bisavô tinha palavras cruzadas. Ele sabia de tudo. Ele tinha aponta da língua. Hoje nem existem mais. E minhas palavras não se cruzam.
__— Temos imagens.
__— É verdade.
__
__

27 de março de 2008

Pomos de uma terra dura

Dilacere este silêncio constrangido.

Rompamos este hímen de quilômetros.

Vocês, já lhes disse,
são das pessoas que mais amei ao conhecer.

Mas vocês...
eu as vejo numa proporção bem menor do que gostaria.

Paralelamente,
escrevo numa proporção tambem menor
do que eu quero pra minha vida.

Cruzadamente,
é pra vocês e poucas pessoas inéditas
que eu escrevo.

As pessoas que mais valem a pena,
os trabalhos que mais valem a pena,

alimentam a alma, alimentam meus sorrisos.

Alimentariam bem mais o tempo

se não fossem seus nutrientes
insuficientes para as tripas.

Coincidente, não?
Sharply, the manacing wing sweeps over...

E no entanto, é só nisso que penso,
pois, numa proporção semelhante,

quatro meses passaram neste ano,
que seria o de minhas revoluções.

Caracteres e convivências
são dedicados apenas em sulcos de tempo.

Tempo que,
fosse terra,
mais frutos daria.

Muitos mais frutos daria

se os sulcos de nossos encontros,
não arranhassem, e sim arassem

meus hectares secos de poesia e frescos pomos.

Saudade de vocês e dos frescos pomos que eu escrevia.

Pra flores como vocês eu escrevo.
E, no entanto,
nem vocês eu vejo

Nem me vejo
no que já não escrevo beijo.


Coincidente, não?
Sharply, the manacing wing sweeps over...
__
__

6 de março de 2008

Gama

Quantas flores numa neve?
Quantas luzes numa sombra?
Quantos olhares na fruta
E boca em mesma boca?

De repente num clique
Um raio, num flash
O mundo num sorriso anil
Que traz a flor azul
De ramos tão verdes
Colhidos a mãos amarelas
De uma senhora rosa
Debaixo de tardes laranja
Prenúncio dum pôr vermelho

E dos negros, que surpresa!
— O povo mais colorido.

O acaso de achar um instante
Cores de mim distantes
O acaso de achar na história
O passado de cena memória

Vem comigo no sem-fim
Feliz que é o gamar
__
__

1 de fevereiro de 2008

Bloco do automóvel

História da marchinha

__A marchinha do automóvel surgiu como crítica ao crescimento acelerado da quantidade de automóveis na cidade de São Paulo. O trânsito é tão intenso, que gasta-se quase o mesmo tempo para ir a Santos atravessando uma avenida.

__Um dia, Seu Cráucio resolveu encarar o trânsito como um trio elétrico, comprando os carros aglomerados com pessoas. Afinal, no Carnaval ninguém engata a segunda, é tudo uma pegação desen...freada. E, é claro, tudo regado a álcool. Ele sugere ainda que os caminhões liguem seus auto-falantes e os carros buzinem em ritmo de festa.

__Talvez assim as pessoas se estressassem menos, encarando aquilo como um bloco, cuja fantasia é o próprio carro do folião.


Bloco do automóvel

Local de saída: Marginal Tietê
Fantasia: carro ou caminhão

Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você
Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você

Ouvi uma notícia
“A marginal parada”
Se liga, radialista
Você não sabe nada!
Aqui nesta avenida
A gente não emburra
O trio tá lá na frente
E atrás tem empurra-empurra

Esse é o bloco do automóvel, pode crê
Esse é o bloco do automóvel, pode crê

Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você
Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você

Nas ruas de Olinda
O povo se aglomera
Não tem apressadinho
Porque o trio espera
Aqui é parecido
Também tem fantasia
Só vem se for de carro
Pra essa rodovia

Esse é o bloco do automóvel, pode crê
Esse é o bloco do automóvel, pode crê

Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você
Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você

Se põe o ponto morto
Porque o da frente embaça
Pulando todo torto
Assim o tempo passa
Aqui só dá primeira
Às vezes dá a segunda
É tipo uma folia
Mas não amassa a bunda

Esse é o bloco do automóvel, pode crê
Esse é o bloco do automóvel, pode crê

Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você
Bi-bi, fom-fom, lerê
Eu tô no bloco do automóvel com você
__
__

31 de janeiro de 2008

Marchinha do Crau

Ninguém me chama na cidade pelo nome
O meu é Craucio, de batismo e de nascença
Se assim me falam, eu viro lobisóme
Dou crau pra lá, dou crau lá
Dou crau pra lá, dou crau lá

Casei na missa cuma dona bem manhosa
Me invoca sempre, e às vezes é pra nada
Vem todo dia me pedindo bem dengosa
É "Crau..." pra lá, É "Crau..." pra cá
É "Crau..." pra lá, É "Crau..." pra cá

Ai a patroa tem um corpo que é beleza
Me dá na telha e eu vou pra sua saia
Mas ela teima, se fazendo de burguesa
"Sai, Crau, pra lá, Sai, Crau, pra cá"
"Sai, Crau, pra lá, Sai, Crau, pra cá"

Mas se me irrito, ela vê que tá errada
Vem com jeitinho, vem mimando bem mimosa
Aí num güento, dá uma coisa bem danada
E é crau pra lá, e é crau pra cá
E é crau pra lá, e é crau pra cá
__
__

27 de janeiro de 2008

Soalheira

É noite
É céu
É frio
É inverno dos mais invernos

Mas em plena noite
v o c ê , e u
você eu
voceêu
voeçue
voeuce
veoceu
evoeçu
u u u
^e
ê
e^

s s s

Aqui vem a pausa
O clarão
O fulgor pós
O cruzeiro
As três marias reticentes
O respiro suave
Que se voasse
Era você e eu
E ainda
É noite
É céu
É frio
Mas em noite plena
voceeeu
estrelamos

a soalheira
__
__

17 de janeiro de 2008

Todo o nada

O quê
o branco?

senão o nada
que é mais nada
que o tudo
em seu tudo-ou-nada?

O que o branco
senão criar
senão pintar
senão fazer
num instante
congelado?

Papel branco
pra amassar
rabiscar
refletir
desafiar

Que quer em mim, pergunta
Eu, respondo

Tem nada que é treva
pedindo por luz
querendo os caminhos
ir nenhum lugar
com medo de achar

Meu nada é a tela
pedindo curvas
sem querer caminho
ir qualquer lugar
desejo de encontrar

É quando o branco
me explora
se espalha
pelo que é meu
creia do nada
crie de novo
tum toque foge
um toque vem
e tudo que tinha
já é nada
pelo nada
que já me tem

Vou sendo preenchido
com o vazio do porquê
espalha sobre as letras
com leveza segurança
no branco mergulhado
letras sobre ela

E o que ser ela
senão este branco
do criar?

Corpo branco
pra amassar
rabiscar
refletir
desafiar

o que não fui

Eu dentro do branco
o branco dentro do eu
jorra um pouco de nada
que descortina
que incita

Cadê você
que se dizia emaranhado
se o que vê
é Narciso admirado
num lago abaixo do céu
branco
e procura no lago brando
o céu?

As poças do meu passado
todas negras
tão rasas
não é Narciso
quem se ajoelha
é um si
profundo de lago
de lago branco
no toque da água
são eu milhares
cristais de mim em ondas
brancas
eu beijo
eu sumo
eu nado

O piso que não há
e antes tinha
é de cair pra quem quer tudo
ou pra voar pra quem é nada

Começar
é terminar

Segurar
pra insegurar

Em tua poesia vivida
vi
vida

Queria deixar em teu branco
uma poesia
com a forma que é teu branco:
qualquer tudo!
que não absorve
reflete
e saber que
no fundo
no fundo
sou um nada!

Queria deixar em teu branco
uma poesia
com quem quer nada
com a forma que é teu branco
uma poesia
apaixonada

__
__

16 de janeiro de 2008

Big Bother loves you

Money, Honey
Money

Power, Flower
Power

If I see you
I'll fire you

There're eyes on you
There're us on you

Do let me see you smile anyway
Don't let me see you miles away

Pay atention
Stay at tention
And don't mention
It's in formation

Free dom
Is very lave
You don't have knuts
To be it: live

Googlemonia, microhard
For your owl security

Puppets! Ignorance
Is Force

Cause I pay you, l owe you
And Big Brother lovezoo
__
__

12 de janeiro de 2008

Novo vírus anunciado: Ó²

O estigma uma couraça protetora.

"Não quero me colocar nesta história, mas sou filho de eletricista, estudei à luz de um lampião de carbureto, e ia sempre à biblioteca municipal, pois não podíamos comprar livros. Não tenho, portanto, paciência em aceitar que as pessoas não estudaram porque foram antidemocraticamente impedidas, porque a discriminação acabou com elas. Não, não. Elas só não quiseram. Entre as duras obrigações escolares e as amenidades, optaram por este último caminho."

Ataliba de Castilho sobre FHC criticando o português do Lula.

__Paty pobre pata, armariou-se em volta com seus colegas homídeos e amêgas tãquãoquaques. Teve escolha? Baladeinha. Não gosto de cinema. Não gosto de ler. Só auto-ajuda. Ameaça, nerd higienizado, firewal, farewell. Longe dele ainda parecemos grandes.

__E à luz de um incomprenprado, clep clep clep. Vai citar alguém. Cleptomania autoral, projeção lá atitudinal. Ó. Ó. Ó (pai), Ó.

__Pior a paty pata e... pãta... de rica. Teve escolha. Camufla-se com nomes próprios próprios ou alheios, ou de amigos poetas. Conheço um cantor, um produtor. Ah, sim, o cinema. Sou esquerda mas não tirem meu pejô. Vem cá, sim? Mas não diga palavras difíceis. Perto dele parecemos grandes. Ah, não fala assim. Beijo, tchau. Longe dele ainda parecemos grandes.

__Casas e barracos, bostas, xerosas, chei-rosas, cagam o dia, bostas e põe-nas no prato na panela no prato do dia no prato e um lava a do outro num espelho tele-tela. Respirando seus gases numa bola de neve bóstica circular morrem sem o respiro que só quem deu dá ao ar que pesa, pesa, pesa sobre suas cabeças ratejantes (sic, ic). Quê? Não, é preguiça mesmo.

__Cascos sociais de tartaruga nesse mãããr digente.
__
__

11 de janeiro de 2008

Arauto

Veio solene como da aurora pro sol, veio castiço como da luz de uma vela para quem procura, veio informação o que vinha da classe alta. Ar pomposo, ar grave, ar altivo, ar alto.
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__

São, são

Foi-se o fio
Foi-se a força
Foi seu fio
Foice à força
__
__

Poeditar

Te ditam tanta tantra
Que não ser ela prosa
E que ela ser no verso

Não ditam em o tanto
Que há sim verso sem rosa
Ou prosa ao inverso

Discutem das bancas
Impõem suas trancas
Se vale, se mole
Se dura, se ferra
Engole, ou tu erra

Que tem anjo no canto
Beleza um-versal
No puro, no sujo
No quando, no qual

Like a vida de Sansão
E dos que são porque são
Me cubro igual
Ou descubro insão

Ah, poesia água
Não tem letra
Não tem precisa
Não é precisa
"Não se precisa"!
Horas num verso a fio
Em si me nada esboça
Tem prosa, sim, que é rio
E grandes pura poça

Ah, poesia me rio
Molha os cabelos de touca
Ah, poesia do brio
Deixa com água na boca!
__
__

5 de janeiro de 2008

Terra de ninguém

Estirado na areia: sol.
Sem vento: água e sal.
E não é ali. É aqui.
Um mar escorrendo.
Vontade escorrendo às gotas.

Tirado da areia: suando. Suo e ando.
Sonhando em vento. Leve, que me leve.
Calor, calor sem fazer nada.
Nada ali no mar, e nada aqui no bar.
Nada, nada, a danada anda.

Calor parado. Bafo.
É metabolismo.
Acelerado.
Quer coisas.
O rei pensa: água, água!
O jóquer grita: fogo, fogo!


Mas é muita brisa, muita brasa, pouco fogo.
Muita sede, e nada d'água matar.
O vento afoga: a brasa vira fogo..
O vento não veio: fogo, fogo!
— Foi um pedido.

Fogo que aquece sem sol é isso: furacão.
Nem precisa nome de mulher.
Basta um vento, um invento.
Queria ter entornado.
Ou tornado um tornado.
__
__

4 de janeiro de 2008

Doce melado.

__Joguinho.
__
__Crie frases usando as 7 notas musicais.
__

  • Reme só lá.
  • Só lá me dô.
  • Fala lá!
  • Se lá faz sol, doce mela!
  • Sol: me dóre.
  • Mire lá.
  • Mi, sofá dou fácil.
  • Fala-se do laço, do lado.
  • Fala-se do solado: "faz-se sola".
  • "Dóla"? — Si, si, si!
  • Me faço fácil, se me mela.
  • Se me faz só fado, dou ré fácil.
  • So Fáfá faz mimir do lado do sofá.
  • Do doce, só "resído".
__
__(Essa eu desafinei.)
__
__— Só essa? Que dó!
__
__[...]
__
__Crie uma e comente.
__
  • DO
  • RE
  • MI
  • FA
  • SOL
  • LA
  • SI
__
__

2 de janeiro de 2008

Palavras cruzadas

Este blog fica muito tempo deitado. Não gosto de um Baco dorminhoco esperando que suas raras musas o cavalguem sem licensa. Sinto falta de músculo! — apesar de me auto-avaliar como um corpo mais definido, de 2007 em relação ao anterior.
__
__No fim do ano passado ganhei um vício: o das cruzadinhas. Nivel médio. E durante as tempestuosas nuvens, carregadas de dúvidas, fui palco de clarões criativos nos quais as palavras deixavam de ser quebra-cabeças para unir mosaicos; reciclar lascas e inaugurar novos significados.
__
__— Dentro de minha concepção zoofílica, é claro.
__
__Exemplo: solerte. Que no quadrinho dizia "esperto, ardiloso". No dicionário, encontro um proceder com desembaraço, iniciativa e sabedoria; diligente, sagaz. E ainda um segundo significado, hábil em usar meios desonestos para conseguir o que quer, embora com aparência de honesto; velhaco, manhoso.
__
__Eu nunca ouvira mais gordo. E de repente me peguei queimando gorduras acumuladas nos neurônios tecladais, criando um aforismo qualquer, sem pretensão, apenas de partida; inclusive partidário.
__
__E também: dragona. Ombreira usada por militares.
__
__Por fim: paroleiro. Que é mentiroso. Ou, como diria Capitão Morte, fanfarrão.
__
__Pego cada uma da cruzada e... as cruzo! Com o caviar na cabeça. Ou o que vier, que já basta. O resultado é um pato de dois andares, um oranga-pau. Quem lembra do Pica-Pau e o cientista que cruza coisas vai entender.
__
__Lulas, Teixeiras, Euricos. Criam leis, leiloam para impedir melhor uso de nossos artilheiros. É o país do futebol: boleiros e parolas nos botecos, nos senados. Enquanto os melhores cientistas vão para a Suécia estudar de graça.
__
__— Mas a Copa será aqui, não lá.
__
__Disse o Chaves, o mexicano, que ele era ladrão não por escolha, e sim por maioria de votos.
__
__Fosse brasileiro... AB na certa.
__
__De candidato único a candidato forte único se compra reeleição. Para a sede da Copa Mundial da Ignorância, advinha quem será reeleito?
__
__Enquanto isso, soletre solerte.
__
__"O q eh issu?"
__
__Solerte é aquele que emanguaça padrinhos com o dinheiro dos 51% que o elegem, sem contudo deixar os 49% tocarem na Justiça, já que os emanguaçados são as dragonas que promovem a imagem, boa ou má, dos eleitos. Portanto, solerte é como se fosse os para-sempre-festeiros-de-motivos-sem-sabê-los-obscuros. O que se reelege sorrindo e trabalha chorando.
__
__"ah tah..."
__
__Então. Soletre. Solerte.
__
__"esse, o, ve, vc"

__
__Gostei deste execício.
__
__Que venham mais patos de dois andares! Que orgie o dicionário! Que as cruzadas persigam minha pança religiosa! Que 2008 seja menos paroleiro, tampouco solerte! No ano das Olimpíadas do dragão, no atletismo verbal menos dragonas morais no comando ei de ser.
__
__Amém.
__
__