8 de agosto de 2010

E saio sobre pá e chão

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Um: o desejo e o registro
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__“Alguma coisa, que parte e eu deliro. Tem onze metros, termina com um dia. E digo abro as costelas num suspiro. Ser menos crânio, enfim, e mais bacia.”
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__De alguma forma pegou-me por baixo, o jogo, e o baixo-alto-baixo-alto jogo subiu à cabeça, ao crânio, que quiz assim deixar bem claro, pra ele, aquilo que sentira. Logo viu-se que o registro, do jogo, impossibilitou o Jogo. E ficou por isso mesmo.
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__Na primeira semana versos livres mais ou menos rimados. Não descansou ao sétimo dia. As aulas de Dança claramente inseridas no universo. Ombros, cabeça, tórax, sacro, costelas, coxas. Hara. Uma rima péssima: “Hara-Rara”.
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Foi ter comigo uma pele a mim tão cara
E latejar dos braços às canelas
Encontrar meu hara n'outro hara
Penso à noite, suspiro: abri as costelas

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Espalhado, espalhada, quatro pernas frouxas 

Clarões imensos, supus fosse 
[procurar depois no dicionário de rimas algo conveniente com “ã”]
Dizer que foras minha, assim, com as minhas coxas
Suadas, calmadas, às duas da manhã

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Foi um nós, um nó, atados, soltos, laço
Foi morrer unidos como cobras
Foi soltar as omoplatas num abraço
Foi tecer, como versos, nossas dobras

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__Humilhado perante toscos versos. Impotência.
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__E, de fato, refletia bem a situação da qual falava: o nada poder.
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__O sentimento era, merecia, mais que aquilo. Nu entanto, punheta.
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__— Tenho um poema que não sai. Vou deixá-lo metricamente bonito, sem perder o conteúdo e sensibilidade.
__— Às vezes o poema não sai porque precisa ser assim.
__— Deveria ter te ouvido, Marília.
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Dois: platonismo em verso
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__“Já sei”, três semanas depois. “Parábola! Crescendo! Enalteceria, alcançaria, endeusaria!” E assim cristalizaria, como num museu, o que mais valia a pena lembrar. “É. Museu. Gostei: museu. Musa. Mus... Não. Museu. Museu. Eu.”
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__Tipo:
__Não A, não B, não C.
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__Pra, depois:
__Oh, snif! Oh, chuif! Jimmy Cliff! (o clichê propositado)
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__E voltar, tecendo todas as arestas:
__Sim A, sim B, sim C!
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__Fim.
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__É mais ou menos essa estrutura. Sempre com 16 versos, deca ou dodecassílabos, contados nos dedos, perfeitos, ready-to-song, de quatro, em quatro, rimando direita-esquerda e esquerdireita. Vai dar uns 64 versos. Cinco a mais? Não, seria forçar demais. O meia-quatro é como um meia-nove, mas um pouco menos encaixado.
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__E, de fato, refletia bem a situação da qual falava: o desencaixe.
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__Quanto à distração, começaria assim:
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Não abro, professora, tamanho espacate
Culpa eu tenho de ter tendão tão parco?
Sofro pra que não penses que é por disparate
Vou sumir se pedes a tal pose do arco.
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Mas se perguntares pra onde vai meu barco
E o que aprendi nas altas horas de “boate”
Responderei, de pronto, que, não vir, foi marco
Quem sabe assim, sincero, não nos desempate?

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__Após esse prólogo, começaria a história do pobre menino com dificuldades de sentir o próprio corpo, insensível, mas que aos poucos foi conquistando a sua própria consciência somática, que abriu espacate, que faz ioga e tal.
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__Anotar possível título: “COnsciência COrporal”.
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__E então as garotas leriam aquilo e diriam o quanto sou foda, oconsciente, ossensível, até que tal massa(gem) no ego sucumbisse à noção de que mergulhando nos intrínsecos motivos de minhas rimas tilintantes estaria o espelho da futilidade, ou melhor, do falso conteúdo, que atrai o pseudo-romantismo, flores de plástico que são belas de longe, como de longe leram aquelas que disseram Ó.
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__Anotar possível título: “Inconsciência Corporal”.
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Três: minimar
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__Os meia-quatro versos estão completos. Meia-quatro por cento perfeitamente rimado. Mas enquanto não forem todos encaixotadinhos, produto premium de exportação, não valerá a pena publicar nem como rascunho. Salvo o texto no desktop. Duas semanas depois, recorto tudo. Que dodecá o quê. Ai, cai, e vai. É por isso que os 64 de Exparta foram perdidos: a fúria minimal ceifou a megalomania.
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__E, de fato, refletia bem a situação da qual falava: uma megalomania.
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__Não que os abaixo, na tentativa de silenciar as ondas, sejam menos.
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I.
Meu corpo
Grande continente
Terra de terras ainda intocadas
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Se tinha oceanos?
Aqui, ali, atrás, à frente...
Mas de rios, todas ressecadas
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Toda manhã espreguiçava de preguiça
Sem saber, nem ser, o peso das fibras estiradas

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II.
Faltei. Sim, pois faltando assim vivia
N'aula de corpo, eu tão pouco são
Voltei: a mestra não lembravas, não
O nome de quem num corpo se ia.
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Todo duro, dedões temendo o chão.
Perguntavas: quê no curso eu queria?
E espreguiçado, ao solo, eu ria
Foi sem querer, mestra, foi sopetão.
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Não abro, fessora, tanto espacate!
Sumo, se pedes tal pose do arco
“Então diga pra onde vai seu barco?”
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“O que aprendeu nas horas de boate?”
Serei sincero: não foi por disparate
E que faltar, confesso, foi por marco:

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III.
É manhã
Dois da manhã.
Espreguiço.
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Amanhã
Duas da manhã
Expreguiço.
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Consciência muscular.
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Meu hara.
Seu hara.
Três dedos abaixo do umbigo
Três dedos acima de deus
Raro.
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__Quero cantar, descubro o diafragma, e inspiro
__Pra cantar a ela.
__Quero ir mais longe, penso, e suspiro
__Abriu-se minha costela.

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IV.
O corpo fala, já sei, mais que poemas
Ainda que, como versos, trancemos pernas frouxas
Propor com os dedos os mais diversos temas
Dizer quão te quero em pressão das minhas coxas
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Foi um nós, um nó, atados, soltos, laços
Te amo como doberman, ou tais loucos vira-latas
Pra ter mais, tem que ampliar os meus espaços
Te abraço e, no amasso, já soltei as omoplatas
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Corpo que se apóia em gênio
Pensa besta: vira pra baixo

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V.
Benditas deltas que penetram rios nas minhas terras ressecadas
Benditos mares de volumes que volumes moldam solo em pele
E quanto à lua, que as ondas rege, e elege a nua iluminada
Bendita seja a vaga, que só em teus raios, líquidos, se revele

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VI.
Blá blablablá, blablá, blablablablá
Iá Iáiáiá, iáiá, iáiáiáiá
Blá blablablá, blablá, blablablablá
“Ser menos crânio, e enfim, mais bacia”

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__Sem mais parabolismo, sem mais circular idade. Já são mais de mês e meio. Nem sei escrever com cores as cores que vibrei outrora. Os versos nada dizem. Contornam e não volumeiam. Não falam estrondo, e sim do vácuo. Poema autoconsolador. Poema punheta. Era verde. Ficou bom em xis momento que você não viu. Hoje tá podre. Moscas. Tá mofando, perdeu o trem, perdeu o tempo da pegada e tarde quis entrar na festa dos consagrados. Enterre. E você não enterra. Enterre, seu malditadinho!  Mas, abandonar? Abandonar. Abundonar? (Afe, Claucio.) Sim, abandonar. No desktop. No cantinho. Ok. Maldito ego de assim-supospoeta. Com uma condição. Qual?
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__Anotar possível título: “Poema tardinho”.
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Quatro: my only friend, the end.
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__“Ensaio sobre a paixão.”
__“Ensaio sobre a paichão.”
__“E saio sobre a paichão.”
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__— Tá quase.
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__Dois meses depois, do caixote no canto atrapalhando a passagem foram retirados poemas de gosto duvidoso. Quem escrevera? O próprio duvidante. Auto sarro. Era forçado, não era? Aquele papo todo de corpo, abraço-omoplata, suspiro-costela... cranitizar a bacia, racionalizar a intuição. Como se não tivesse descoberto em qualquer fôlego-perdido-fôlego-inspirado. Tremenda merda cor-de-rosa. Desconstrua, que, o apego, foi. Em vez de nova métrica, o processo. Vale a pena O Processo: a dúvida do quê.
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__E, de fato, reflete bem a situação da qual falava: vale o que se fez a partir. Ensaiar, e sair.
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__— Cara! Orgasmo! E o melhor de tudo: rimou com bacia!
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__Anotar possível título.
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Lava outra. Lava, outra mão.