26 de novembro de 2007

Molequis-se

Faz duas horas. Com seu sorriso moleca de risada ririri visto por último dei minha mochila à portaria, mochila pesada, cheia do que seria usado caso não estivesse dando as costas, e com meus tradicionais passos nerds grandes largos desço a rua de tantos boêmios, artistas, perdidos burgueses. A esquina já nem tanto burguesa tem um bêbado sentado e sua padoca mostra o Fantástico, vende Kaiser e entretém os que ainda não fazem companhia ao velho sujo. Três e cinquenta a Gold. Ninguém dessa avenida tem esse poder.
__São cinco minutos passados. Duas negras olham sem vergonha e com vergonha desvio-as para o letreiro do que vem passando. É que no ponto da Teodoro é assim: estranham quando um mochileiro, branquinho tal, sobe e senta ao lado nos paus-a-pique de metal; antes fosse pela qualidade do transporte, mas não, é falso nivelamento. Porque a três quadras dali, lençóis perfumados, assoalho e Europa Filmes e seu sorriso moleca pretoembranqueiam meus cento e oitenta graus frontais dos cento e oitenta graus fundos, lá mesmo, no crânio, no cérebro, nas terminações nervosas, na memória, no doce. Pretas e branca. Não é mancada. A verdade é cocha.
__Pronto, a paciência ereta boceja com as mesmas figuras. Na mochila descansa uma tradução de Benedita de Ulisses socada por touca, camiseta-reserva, blusa, meias, desodorante; com certo equilibrismo, mãos ágeis por dentro do ninho de cobra vem a metamorfose de novecentas páginas — desafio de dez anos de dia, dez de volta ao qual caí de bruços — e então o que eram cinco vira um, o que eram dez tornam-se dois, às vezes três numa olhadela confirmativa ao letreiro que cresce na descida, e, quando vem a vã quebra-galho integrativa, já são quinze e no entanto trinta. Domingo é o dia do tédio e somente a arte salva.
__Foi dia de Fuvest, é verdade. O adolescente à frente tenta convencer o cobrador que a isso, à prova, se deve a falta de vinte centavos para completar a passagem. Eu corto a conversa em duas e passo com meu cartão; o moleque convence e sobe por trás. Sua namorada o saúda pela malandragem; ambos tocam suas mãos e já nem lembram o que foi dito; ela dorme no ombro e ele na vista ao lado. O Pinheiros cheiroso, pesado e abaixo da ponte. Mãos. A minha dói. É falta de exercício: levantar Dublin à altura dos olhos sem o apoio dum colo, travesseiro ou de lava-a-outra, não são bem o tipo de aquecimento anti lesão por esforço repetitivo.
__Dois minutos, ou uma página, e no entanto um quarto d'ora, sinalizo o próximo e desço no camelô de doces da Vital. Mais um que são cinco. E logo vem o João. Que sorte, vazio. Subo, passo e sento, à companhia da mente atordoada de Joyce. É bacana dizer que lê Joyce. Aliás, é bacana dizer que lê qualquer sobrenome, que, separado do nome que o complementa, impressiona, aproxima como a Internet: sem aproximar; é a intimidade pintada na preguiça. Quer saber. Eu leio James, James Joyce, porque não sou nem íntimo, nem quero parecê-lo, ou dar a entender que o entendo, que para bom entendedor meio nome basta, longe. Ás vezes — muitos os às — saio pela tangente de uma descrição; agora mesmo, voltei ao sorriso moleca e pintas quase sumidas na cremosidade da pele que me envolvia no último abraço a lençóis perfumados. Valeria a pena ver a peça ao lado? Valeria a pena só por umas inspiras expiras a mais? Não, tem o filho, o urgência, a surgência, targência. A pitada, a novidade, mas hoje não, hoje tem amanhã trabalho.
__Onde estamos mesmo? Que rua de Dublin?
__Ah, a Raposo. Seus corações neons, suas cidades turísticas, seus próximos retornos, suas pernoites, seus segredos. Os meus também: sobre meu ombro lê os pensamentos de caderno preto, o sete-chaves. Ela é doce, tem o quê doce, tem a vontade doce e doce também é o gesto que lhe preparo, o ensaio. Noite agradável. Estava calor e as costas refletiam a meia-luz da janela. Hoje está frio com as costas a grudar na camiseta. Gosto de mão pequena.
__Ririri.
__Penso que vou escrever essa rodovia curvada de pensamentos, tal qual Djei Djei James Choice — quiçá... — e até delineio alguma frases. Mas, preguiça. O livro pesado, a mão cansada, o caderno socado na mala, deixo a palavra pra na hora e ponto, volto a ler a odisséia alheia. A morena ao lado tem olhos de víbora, e só deus sabe quais as contrações que me caosariam. Mas bundinha amassada. Cinco minutos em vinte, desço de novo. Ela olho o meu volume. Novecentas páginas é como bíblia. Que religião ele é? Ih, é dos letrados, fora, véi.
__O Osasco já passou?
__Está tua eu de novo. Alguns vetibulandos; maioria comerciário. Shoppings, galerias, lojas, roupas coloridas e um sono nos olhos a esperar o último quadro do sonífero Fantástico. Os bíceps no contrapeso, senão a torá cai. Pintasse de branco-me e seria convincente. De parágrafo em parágrafo a sentinela. Mais uns cinco minutos, esses cinco totais mesmo, porque os carros passando buzinam e me chamam. Este é bem grande, tanto quase perco o meu. Entrei, foi de quase. Se não fosse a fila, a atenção, a frase quebrada. Chega de Ulisses: é tortuosa a subida, treme os dedos, os olhos, as letras pulam sem nexo, a vista cansa, a retina descola. Chega de Dedalus.
__E amanhã? E a branquinha? E a vontadinha, a doçura, o banho demorado? A risada moleca, a moleca de dentro, o saltiteio, a sem papas chegada e delica? A romântica do trio quase menage da atenção desviada, a concentração artísitca e de renda burguesa-porém, o assoalho, o lençol, que companhia gostosa, singela, sem mais e muito menos menos.
__E, claro, a morena? Eterna promessa? Ensaio sem estréia? História guardada, casamento omitido, atracamento, proibição, maçã, mensagens, masturbação, provocação, e ensaios, e passadão verbal, e bate-texto, sem marcação, sem consequência, fora dos planos, o que fazer se tesão não se guarda em caixa? O pensar podia, o pisar inserá. O até de ombros, a maré sem planos, volúvel. O clima por milêncios foi o mesmo e os humanos se desenvolveram na calmaria geológica. Basta meio grau, uma geleira, e já é motivo de fúria. Veio do nada. O degela deságua desvapora e vira ar, cobre o céu, chove, mas... não molha. Depois vem o ciúme, a galinhagem explícita, os olhos baixos e não é vergonha, é lamento. Podia, não podia? Não podia. Poder, podia, mas é a circunstância. Não, a circunstância não: o fato. É o é. E ia, mas não foi. E nem pode será.
__Dois lados: pra cima e pra baixo. Eu vejo o chão. A quatro patas. Resfolego. Lua cheia e ela quer casar. Eu dou o passo sob o luar. O astro e o astro. É pau, é prata, é a luz no caminho. E eu aqui sozinho.
__Já estou em casa. Na garagem meu dedo avança uma mensagem de celular. Essa tecnologia do depois. Gostei das horas com você.
__Quem diria, ela vendo, ela revelando, ela trazendo o ciúme à tona, eu surpreendido mas com olhos à outra. Quem explica. A cozinha, quem explica? A dança, a serenata, o nariz, o colo. Quem? O banho e ontem é outro colo, outro nariz. Outro que agora é o o. Quem? Busco o ponto final e vêm três: um atrás do outro. Como? Quando? Quais palavras? Deixei sentir, e só. Fútil você. No meu direito, sim. Palavras vazias aquelas. Não eram, eram cheias. A maré vaza, vai parar em outra terra. Mais Europa. Tem porquê? Facinho você. Tem porquê? Facinho. Aproveitador. Ovelha-lobo-ovelha. Duas caras. Duas, três, quatro. A que convir à que vir. Vai, vai pra fora. Sem convite de casamento. Daria, daria, daria certo se fosse pensado. Não, não tem como sair, abandonar, eu vou casar e você estará em outro mar. E fisicamente, meu bem! Meu bem. Meu... Bem, chega. Não ponho a perder. A cerca, eu tiro um pé do chão mas a queda me assusta. E é tão baixa... Uma boa companhia, quem resiste? Suave, doce, quem? Desculpe, mas eu não Desculpe. Eu até diria, mas eu reduzo a cada revisão. É esse pensar demais. É sentir menos. Quase que não foi por pensar. E nem estava pensando. É, era cansaço e eu queria desculpa. Quase que me meto em encrenca inventando. Não, eu pensei só na hora de desculpa. Eu não queria baixar, era minha chance e elas estavam volúpias, quase expulsaram-nos do local. Por isso, o assoalho, o chuveiro a gás, a cama de casal raramente de casal agora com três. Foi, foi assim. Os dois, quatro, oito lábios e já não são tão seus, que foram pro baixo do tapete. Ou pro jardim do vizinho, para eu verdear quando amanhecer. Quando acabou, e nada, lá estava eu, sem dormir, pensando nos porquês, pensando como sempre faço: sem fazer. Até que me vi a dois e foi. Existe pau romântico? Creio. Olha como a canção me sarcasta: "Bohemia sem calcinha" com final de "Foi barato". Não, essa final não, porra. Não é pra combinar assim. Foi bom. Gostei. Pode repetir? Juro que não causo problema. Mas não se assuste. Keep talking. Vou escrever. E agora. Ligo o computador, confiro o celular, mas, por ser sem volta — olho a mensagem, molecou o sorriso e recusou a resposta; ou não, nega-se a tal cortesia, pensa se deve, não deve e dorme; ou a tecnologia esquecida numa bolsa. E escrevo. Olha, já era muito você quando lembrei que não pode. É por isso que lençol perfumado. Quis e quis, quero também. Esqueci de começar:
__Faz quatro horas. Com seu sorriso moleca de risada ririri...
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4 de outubro de 2007

Vampsi

Sibile

Respirar ofende.

No entanto, o transporte penetra a rodovia e rasga o silêncio cerimonioso da madrugada. Corta e penetra o âmbar, motor acelerando no vazio e depositando cá e lá homens de cachacinha. A caravana repleta de torcedores dum jogo de futebol. Extasiados, comentam e terminam as latas. A cerveja transpirada, o bocejo contido no riso.

Pedaço dele na noite, pedaço de noite nele, isolado ao fundo dos bancos, de figurino, alheio ao que se passa e de olho no silêncio de fora. O vidro o reflete. Ele dentro, ele fora, a contemplação do nada, o motor e os gargalhos o ofendem. A velocidade lhe corta os pulsos.


Nossívago

Meio relógio circulou até que avistasse o derradeiro, o corujão. O assassino quase o deixa passar; um pouco de si neste sangue nos olhos; mas ouviu a súplica das pernas.

Subiu tão taciturno que não se sabe: se a noite a ele, ou ele a noite, quem a quem fagocitara.


Sifônico

Track search, play, stop, track search, play, stop. A busca de uma canção que combinasse. Nada tristto suficiente. Na rádio achou algo para escorrer. Veio dos campos cujas parabólicas do ouvido custaram captar.

Mas, ao final, devaneios são sinfonias completas.


Off.


Sima

Beija a garota com volúpia, mas não se entorpece. Não se exalta, inebria ou fulgura. Beija por vingança.

Beijá-la o chicoteia.

Não é feia, é linda, é maravilhosa. Mas "se vinga-se" enquanto fode a própria brincadeira; chupa-a, ela fica sem o sangue, que é dele, e quanto mais tenta fugir, mais o deixa nela afundar, ela, que tenta sair, mas ele, que nela afunda, ele é o mangue.

O fim é preciso. O desfecho dessa noite é preciso. Busca vidros embaçados, ou escorrendo de calor. Gozar é o ápice de seu açoite.

Sofre, sofre quando expulsa o gemido final. Não é por ela, ou melhor, não é por esta, é por outra. O corpo desta é seu chicote. E a extrema unção deste delírio em par se esvai quando o coito razões extingue.

Ele a quer vaporizada.

Seu corpo perfeito, seus olhos de amor o enojam. Pudera ser porra um ácido que a corroesse por dentro e a extinguisse, da mesma forma como já o extingue por dentro, o corrói e o desespera por não ter sob si quem cuja companhia ele anseia experimentar.


Ansia

Entre os vampiros, há o provérbio que adverte desprevenidos ante flechadas de prata:
Vampiro sente ânsia
quando em mulher qualquer escoa
Perigo é se no sem-distância
Lhe encanta ficar à-tôa

É qualquer o tipo da vítima que arfa sob sua cobertura. Enquanto a sucure, pune-a. Pune-a sem que ela o saiba. "Goza, goza, garota, e aproveita seu último segundo."

"Morre feliz..."


E não.

A erupção. Os níveis subindo.

Coxas bambas, joelhos moles, batatas contraídas, sola dos pés formigando; diafragma exausto, coração tum-TUM-TÁ, pulmões taquicardíacos, boca a baba, mãos formigando, pupilas cegas, rubror.

Cai exausto sobre ela; ela ama-o gesto; este se lembra quem afoga.

Seu gozo jorra a lembrança de quem deseja. Um desejo à-tôa. Um desejo perdido, alguns anos atrasado. Ela com outro, ela sorrindo com outro, e ele com esta, que está sorrindo também, como se fosse à-tôa, como se fosse a outra.

Esta, na cama, o chama. Chama, chama, ele não vem. Chama acende seu cigarro. É mais uma faísca na madrugada metropolitana. Nu, queria voar, se lançar. O vento apaga a bitoca e ainda assim ele traga. Radar, procura aquela. Procura seu carro. Procura quem seja. O som abafado da avenida chega ao parapeito do décimo segundo andar; o filtro chega ao térreo, pouco antes da consciência abandonada.

Já calçado, pisa sobre o cigarro há pouco lançado lá do alto. O chuveiro ligado engana a garota que espera em concha pelo seu abraço.


Pênsi

Uma liga, xinga. Deixou-a esperando.

É verdade, a agenda marcara.

Pensar com o pênis, na conveniência, no glamour etc. é fórmula garanha. Mas a agenda foi guardada na gaveta há duas semanas. A verdade é que só esta ligou puta. Podia mais. As outras engoliram a seco. A administração rotineira rui perante a crise: a recusa da agenda. Não há calendário datado quando a preferência é por aquela, e só aquela.


Sila

Noutro dia, noutra nova, não aquela.

Cocotas passam por ele, seu gozo de suplício não.

Lágrimas delas, escorridas no ofego. Ele também chora, mas não é de gozo, nem por elas.

Poderia ter aquela como qualquer outra tida, no entanto chora o gozo das tidas porque daquela prefere a escolha, não a captura, não garanhatida.

Resta beber lágrimas, as suas, junto ao sangue sorvido no pescoço de suas vítimas.

Quando a vítima é si de si.


Sina

Louco e indeciso, sem nada nas mãos, Davi desafia Golias num campo secreto. O gigante, conhecido de longa data, seguro e garantido, mal sabe do oponente.

Cego, cego, segue o cheiro. Coração de inteligente é um burro soberano.



Tolhe

O caminho pulado, resta-lhe sua companhia noturna em páginas sangradas. Devaneios sinfônicos, suspiros solistas, cismas sísmicas. Fim de uma noite produtiva e calcinada.

O vampiro se deita. Cruza os braços e adormece. Repleto de sangue estaria, caso a velocidade não o esvaziasse. Água também lhe falta.

Cobre-se com seu firmamento negro, inspira o silêncio, submerge na deriva de sua cíclica condição.


Respirar ofende.
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Flor que cai

Amor, realeza
Flor que morre, em seu ramo
À poda dum amo
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2 de outubro de 2007

Reflexões da sarjeta

A arte é inútil, mas faz bem.

Viver sem arte, dá. Viver com arte, idem. Não se será mais livre, nem se comerá do melhor; nem das melhores.

Pra se viver dela, e não só com ela, é preciso duas opções: ou ser encaminhado, ou suar.

Quem conhece o fulano, ciclano e beltrano, vai ser o artista... dos anos.

Sem tio na área, nem amigo, nem tostão, soldado... é flexão!

O engenheiro tem que provar que é bom de cálculo. O advogado, de retórica. O carpinteiro, de mão. A modelo, de bunda.

E o artista? A arte prova, além de ser provada?


Qual o papel do artista, senão criar, criar, um verbo intransitivo? Sem pra quem. Sem pra quê. Sem o quê. O universo é uma gororoba. A humanidade é indigesta. Não se será mais livre, nem se comerá do melhor; nem das melhores. Mas talvez perceba os temperos da cozinha. A arte seria, então, o tempero? "É tudo o mesmo, mas o gostinho que me dá..."

Bom, ruim, pérola, bosta... Não ao maniqueísmo! A unanimidade é burra e a democracia, a audiência é prova viva; amigos tendem a entendê-lo; e os que pouco gostam se arriscam em cair no pedantismo do obscuro pelo obscuro.

De arte pela arte, já tivemos o Dadaísmo pixando, e medíocres sendo aplaudidos por (p)almas buarque-de-holandamente cordiais. (Respeita. Se apareceu na TV, é porque é bom).

Se todos os teus trabalhos não aliviam a inquietação, hás de ser artista. Ou problemático. Não excludentes.

Um eterno duplo sentido.
Sem tido.
Sen... tido!

O papel do artista é criar, criar, verbo intransitivo.

Seu papel acaba
quando acaba o papel
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PS: postagem número Se tenta.

25 de setembro de 2007

Amardura despiada

Desparte um: Seduz

Despeta olhares
Sem me despido
Foi ter vulnerável
Rubror nu trazido


A sós me despiste
como se me viste
com que me soubesse
Já tu me pudesse


Contraria e me despe
que do frágil pulsa aberto
o peito mais desperto
quando a sós nos reste


Amardura de luta
Única
Reluz sem dar-se
Vencida
Nela tu viste
A tuúnica
De fácil manejo
Descida


Com palavra me descalça
Com o lábio mempessonha
Com um gesto empurra a alça
Vermemvergonha


Me olha de lado
Inteiro
Sem censura

Descobre no acanhado
Guerreiro
Mais que armadura


(Me pulsa um tema
Que esgota o poema)
Mas purifica
Simplifica


Desparte dois: Reduz


Cai a minha alva
Cai a mim, a vergonha
Cai a alma falsa
__
__

20 de setembro de 2007

Esterilismo

Em falta

A véia Iá
Da Bahia
De famia
Empregada há mais de tem
Fazia um pastel que dava gosto

Seus "neto"
Borrados da terra
Do jardim da sua casa véia
Falavam da escola
Com a boca cheia do pastel que Iá fazia

A mãe reclamava
Do pastel molhado
Não era saudável
O nham da Iá

Os moleques não ligavam:
A gorda era farta
E os netos só enfartavam
Queimando no jardim da Iá

Os moleques cresceram
Boas notas tiraram
E se foram
Pra onde os pastéis
São mais secos
Como o ar que entra
Pela grade de seus ares

Enquanto, a TV ligada
Na cozinha a véia:
Dona Iá faz pastel
Distrai da programação.



Modas

Na arenosa
Velhos em cavalos
Pais e filhos
Lutam a tradição

Mas
De onde tradição?
De onde vêem?

Os dançarinos
Os figurinos
Sejam obrigados
Sejam graciados
Tão o número
(que é número, pra mim)
Como se fosse o infinito
E assim a arte se trança
Sem as barras listradas

Eu, de roupa de marca
Eis que mais marca
O trapo dançante
Dos palcos marginais

Não entendia o chiado
Mas dizia: de onde vêem?
E por que tão siglamente
Se trepam
Se trapam?

Esses trapos
Vestes mágicas
Revelam São Paulo
E rasgam no povo
A memória esquecida.


Esterelismo

Caixa eletrônico
Baixa automática
Gravadora de replay
Creme anti-rugas
Ares condicionado
Inspiração condicionada
E remédio pra remediar o remédio
E produto pra produtar pra tudo

Enquanto a cidade
E a -lização
Constroem prédios
Pobres constroem barracos
E o concreto
Estreliza

E-mail
E-commerce
E-nviromment
E-is
E-x

E-daí?

Que cultura é tal
Que desaba cabanas
Que nos assepseia
E nos tira os velhos
Das cidadelas
De trapos tão vivos?


Marcas

Disseram-nos proibidos
Um, branco e cabeça
Outra, víscera e linda

O que um choqueia n'outro
Nem os trapos diriam
Nem as roupas de marca
Mas os trajes ao chão.

E mesmo poliviciados
Dentro do dável
Semeamos os arfos

Foi quando lembrei
E fui comer na Iá.


Perecíveis

De onde, tais culturas?
De onde vestes, como juras?
Cá a ducação
Nos assenta na beleza
No brilho, no saudável

E tal assento
Não prepara
Pro quarto dum velho
Que em últimos dias
Nos causa ânsia
Do cheiro forte
E a pele caindo

E nós, que dissemos
Amar o velho
Caducamos
Neste amor pasteurizado

Sinhá Iá tava magrela
Pegou doença fedida
E os moços conversam com panos
Cloroformados
Para ouvir a véia falar

Dona Iá sorri
Tosse o rim
É quando surge um compromisso
De prevenção
Que puxa os moços
De olhos marejados
Pro ar puro
De seus carros

Não faz Iá mais pastel
Aquele ruim, mas bão

Quem matou a véia
Foi a pasteurização
Dona Iá caiu sozinha
Sem ter passado em livro
Sem pagar a resenha
Nem posto em exposição.
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15 de setembro de 2007

Por um fio

No último garfo, a surpresa
Dum chef pra lá descuidado
Meu prato obteve a destreza
Justo o que tinha namorado!


Humildemente, diz obtuso:
Não cospe em prato comido.
Mas tem qual não seja excluso
A um fio de cabelo escondido?

Humilde, mente o gerente.
(Dos simples prazeres, larápio)
Mas quem quererá novamente
Ver, mesmo pintado, o cardápio?
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13 de setembro de 2007

Camadas

Na de cima, pinças catam mandiocas
— É minhac! Como. Ia. Dizendo.
E cá, lá, dá, nhá, c, ah!
Papapapeado até o amanhac!
Na de cima a busca poupada

Na de baixo, a busca calculada
Pela batata, coxa e colchão
Tato às escuras
Porém bem nas claras
Na de baixo a busca apalpada

É que são camadas
Separadas
Pela mesa do carteado
Do papeado
Do socialado

A minha mão
Descansa na sua coxa
Que-que-quer a minha
Mas há entre as camadas
A mesa plana
De cartas, de planos, e panos
A mesa que põe
-Te nas tuas
E menas minhas

Aí está!

Na de cima, cá nada
Na de baixo, trifurcadas

Está aí! Está aí!

Minha camada, na sua - se põe
Sobrepõe
Subpõe
E sua
Cava e sai da pele
Que é essa mesa carteada

Ao teatrando artificial
Ao manobrando artifício
Almejando artifícil

Camada social
É aquela que a gente finge
Mas camada submesal
É a que atinge
É a que nos diz as mãos
Que negam os petiscos
Preferem os deliscos

Vem-se comigo
Desfaz-me de amigo
De cartadas às quartadas
De saturadas às banhadas
Das fritas às cozinhadas
E nós, enfim, nas camadas.
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Merkading

A padoca do seu Zé
Tinha pão por dé
Vinha fruta do pé
E me diziam Inté.
— Brindava até de café!

A gravata, o marketing
Mercadou, virou plim pling
E hoje o meu dim ding
Não dá pro amendoing.
— O Sr. José não vale o meu tim tim!
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31 de julho de 2007

E agora, Luís?

E agora, Luís?
A festa acabou,
o ar apagou,
o povo caiu,
o vôo não freou,
e agora, Luís?
e agora, nós?
você que é só nome,
zombava dos outros,
fazia seus gestos,
discursos, protestos?
e agora, Luís?

Está sem colher,
está sem discurso,
campanha carinha,
já não posso escolher,
já não posso voar,
despir já não pode,
a noite esquentou,
o deputado não veio,
o juiz não veio,
o gozo não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, Luís?

E agora, Luís?
Sua dofe palavra,
seu instante de febre,
sua gula e banquete,
sua biblioteca,
seu banco de couro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
fecharam;
quer morrer no mar,
de dinheiro;
quer ir para minas,
Abre um bordel.
Luís, e agora?

Se gritasse,
se gemesse,
se tocasse
a gente não assistisse!
Mas deita,
mas dorme,
Se pelo menos se morresse...
Mas a gente não morre,
você é mole, Luís!

Sozinhos no escuro
qual bicho-do-mato,
com demagogia,
tal democracia
para nos encostar.
De carro preto
que fuja de golpe,
você nos guia, Luís!
Luís, para onde?
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Disputas, dez putas, déspotas.

— Seu delegado, denúncia de puta.
— De puta?
— De puta.
— Puta é quem?
— Denúncia de jornalista. Sobre puta.
— Homem ou mulher?
— Mulher.
— Que puta!
— De puta a puta.
— Prenda.
— O cafetão?
— Não. A puta.
— A puta?!
— A puta da jornalista.
— Por que a jornalista?
— Porque não pode.
— Puta?
— Dedar putaria.
— Puta...
— Pode ser bandido. Puta, não!
— Por quê?
— Puta não apita em puta.
— E quem apita?
— O juiz.
— Que é filho dela?
— Não. O juiz, que come a puta.
— Da jornalista?
— A puta-puta!
— Ela fica puta.
— E aí me imputa.
— E disputa.
— E não se vende por um puto!
— Manda à puta que pariu?
— Não, que ela denuncia.
— Então, longe de puta?
— É. E limpa a denúncia.
— Dela?
— Da gente.
— Não era da puta?
— Sim, mas também me desimputa!
— Entendi.
— Nunca vi puta. Nunca vi puta.
— Amanhã tu é home desimputado.
— Faz direito, que tu vira deputado.
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17 de julho de 2007

A fonte da Praça da Fonte

Foi quando, para trabalhar, eu sentei à mesa da sala, esta sendo plataforma para as grades da janela, através da qual vi e ouvi na rua um carro com gramofone anunciando a inauguração da fonte da Praça da Fonte.

__"Venham, venham participar desse marco na comunidade osasquence."

__Afastei a mesa, as cortinas e o vitrô. O fúlgido sol, primaveril de outono das dez horas que reluzem na praça verde-viva iluminada, me deu aquela cegueira de tatu que erra o caminho e encontra o céu. E vi, a um telhado distante, na rua e na calçada, um punhadinho de velhotes se aproximando, curiosos, àquele raso poço um por dois metros cheio d'água, d'água que vertia de um pequeno encanamento surgido entre o jardim improvisado, e que cintilava conforme a hora, que nos era agora.

__Há uma semana que um trator cavara aquele retângulo na grama. Pedreiros forraram com pedras seus contornos, e os encanadores puxaram, de algum canto escondido, a fonte. Fonte que existira, que outrora dera nome à praça, e que sumira ninguém sabe como, para muitos anos depois ressurgir graças a uma obra politicária ou de movimentação social — e a resposta à dúvida eu não sei qual é.

__Estava terminada a revitalização da famosa pracinha, e a pincelada final fora chamar os velhinhos, antigos moradores do bairro e únicos ativos no movimento de preservação da comunidade, a comparacerem à inauguração da fonte da Praça da Fonte. Os mais tímidos, que são os caducos ou as donas de casa, ficaram, de suas janelas, chamando as empregadas, apontando aos quinze presentes que cercavam a pequena — mas simpática — fonte que fora trazida para alegrar, ainda um pouco, mais aquele que é um dos símbolos do Jardim D'Abril de Osasco.

__Eram bonitas dez horas, e, se não fosse o evento, eu poderia ter ouvido apenas uns dois ou três moleques que jogam bola todo dia no mesmo horário no campinho, que quase fica em frente a minha casa. Naquele horário o silêncio de interior pode provocar de tudo, mas depende da combinação que se faz no clima. Com sol, o dia fica diamante, a praça reflete e oxigena, e cora, sem sombra de concreto a apagar os matizes da manhã. Com chuva, a praça reflete; não a luz, mas o sentimento pensado, pois a rua é inclinada e por ela a água corre, corre e nos traz o sono. O nublado no clima de interior nos traz o silêncio da ausente vontade guardada em casa, e o tempo se demora, até que, pumba! na cama mesmo sem o sono da chuva interiorana.

__Mas hoje era dia de se dar bom dia. E eu fiquei da janela, dando o meu, aos velhinhos que andavam de pé em pé, devagarinhos, pela grama, a comentarem os passarinhos e o chí da água corrente da fonte. A água corrente purifica, e a inauguração da fonte, anunciada pelo gramofone, e ajuntando toda a sabedoria bairrista em torno da jardinzinho, de certo jeito purificou o bocejo, trazendo a gostosura, de qualquer tempo, que é escrever todo dia ao lado da renascida fonte da Praça da Fonte.
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20 de maio de 2007

Ins, piro.

__O maior desligou a TV, cansado do canal metelógico e de suas previsões previsíveis dos abalos que assolariam bem de cócegas os campos daquela região.
__Mas foi como um vendaval.
__A Terra se abriu, as águas evaporaram. E sem explicação, uma folha verde balançou. Sensação fresca do novo, fenômenos que acontecem como o El Niño, mas El Niño da mitologia grega.
__O caçula disparou pela porta da cabana; o mais velho o conteve, mas a persistência e pressa do frágil amoleceu o forte, que desistiu de acompanhá-lo no passeio ali por fora, e se encostou ao muro da cerca observando o garoto saltear pela grama.
__Ia em direção a uma garota, estranha por ali, que estava no jardim sozinha e acenara para que o pequeno a acompanhasse numa brincadeira.
__Eram desconhecidos e não.
__Ninguém fora apresentado — o mais velho sabia que era nova por ali — mas começaram instantaneamente a conversar animadamente, rir juntos, cirandar, pega-pegar em torno da única árvore plantada no quintal, num só fôlego, respirando leve e nem dar bolas por pulmão arfando.
__— Você não gosta do vento bater no rosto?
__O garoto concordava.
__O mais velho, de braços cruzados descansando-os das tarefas de casa, observava as crianças, o enquadramento daquela cena tão rara e sublime, elas dando joelhadas na grama aparada e alta, que com suas flores e borboletas balançavam cada vez mais forte, como se a força centrífuga de um redemoinho surgisse daquela serelepe correria.
__A árvore fazendo ginástica, alongando-se cada vez mais dolorosa e intensamente, fazia parecer presságio de chuva. Como o céu era limpo, o maior deu de ombros, relaxou os braços, os deixou escorrer pelo tronco de si até os bolsos da calça camponesa, e divertiu-se com a energia dos novos companheirinhos. Há tempos que seu moleque não via alguém de sua idade, naquele campo cheio de gramas polidas e gentes cortadas.
__“Gargalhar faz bem pra dentro”, um pensamento sugestionou. Encorajado, deteve-se de chamar, e também se aliviou quando o sol examinou o campo. O maior então voltou-se à cabana para terminar o que tinha que terminar.
__— Não vão se machucar! — disse antes de descompor sua guarda protetora, protecionista, e folgar dos olhos a tarefa que agora seria só ouvidos. O campo era grande e dava pra se saber as distâncias pelo volume das gargalhadas que chegavam através das janelas abertas. — Divirta-se com sua nova amiga!
__Como era deliciosa a risada macia e inocente do moleque apimentado. “É fogo na roupa, como agüenta?” questionava-se com um sorriso de tutor. Pensando no menorzinho, o grandão cozinhava o almoço, e, planejando pela nova amizade, pôs meia porção a mais àquela quantia que antes bastava aos dois inseparáveis irmãos. E fez com mais carinho. “É preciso deixar o moleque brincar, senão o foguinho vem descontar em mim quando trabalho.” — Pôs mais água enquanto de meia distância percebia-se que a brincadeira não parava de alegrar aos dois pivetados. “Como consegue? Fosse comigo, estava com o coração na garganta, já roxo.”
__Pronto, agora era só esperar a panela assoviar.
__Encostou a porta e a janela para que aquele vento não apagasse o fogão, e deitou-se relaxado numa poltroninha onde o mãozão costumava contar histórias pro mãozinho que se sentava no colo. Mas em vez de ligar a TV, o rádio ou abrir o livro que vinha devorando, preferiu curtir aquela combinação gostosa de cheiro de comida aumentando, ventinho refrescando, som de crianças brincando, correndo, corando, rindo, aqueles sons sem vogal nem consoante, terapia auditiva, a grama cocegueando os pés das cercas, a própria cerquinha nheco-nhecando, satisfeito de fazer comida para três e poder chamar a amiguinha do zinho pra brincar mais vezes, quem sabe toda semana, todo dia, assim mandava pra longe aquelas preocupações de velho carrancudo que o acometia aos vinte e poucos anos, ver o pequeno feliz era sua felicidade, sem cidade, só campos, ventos, aquele energia explosiva sendo dissipada sem choro, como era bom ouvir aquilo e se espreguiçar na poltrona onde costumava contar histórias pro maninho menos agitado só suave, solto, sossego farfalho sussuro relaxiacho...
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__, que a porta bateu, a janela duas vezes, o vidro estraçalhado chegou aos calcanhares dos pés do mais velho, que acordou de susto com os ruídos repentinos e violentos, e a panela já chorava escandalosa. Pra parede, pra fechadura, parede, fechadura, parede-fechadura, uma bateção de porta que desesperou o até então zen camponês. Uma bagunça, uma bagunça, papéis se encolhendo no canto da sala, poeirão no chão arenoso, cacos, cuidado com os cacos, mas que zona é essa? Que eram aquelas folhas secas dançando pela cabana? Que eram as folhas verdes fugindo de fora apressadas e sem rumo? Que era aquela cama amarrotada, o travesseiro do mãozinho no chão?
__Mãozinho!
__Cadê meu mãozinho?
__Que vento pesado que me impedia de chegar à porta sem parafusos, à janela impotente, a qualquer buraco, mas o sopro vinha forte de todas as frestas e rombos que naquela cabana podia haver.
__Maninho!
__Mas o vento não deixou o grito sair de casa. Daquela força que brota dos lençóis freáticos de lava e sangue, agarrei-me aos pés do que tinha de peso, aos móveis fortes, e mão a mão, tendão a tendão, cheguei ao rodapé da porta, por dentro, desta forma podendo por muito pouco olho enfiar a cara pra fora e procurar, até que os primeiros ciscos e lágrimas me impedissem, por meu irmão. Nada! E, paralisado, apenas mantendo a tensão dos braços agarrados ao que fosse, vi um redemoinho curto, ágil, que rasgava o campo com sua força, centrífuga e centrípeda, e depenava as folhas bravas que ainda se seguravam com fios de nervos ao caule de seus galhos. Onde estava o moleque? Onde se metera, escondera? Não era possível que aquela massa tasmânica, dançando bêbada a duzentos por hora, pudesse ter pego o meninão. Ele devia ter se escondido. Mas, que raios! E eu não conseguia sair! Ora um punhado de terra dispersa vendava minhas vistas, ora o vento que empurrava com mãos giratórias minha cabeça de volta à cabana. Cansei, sufocado pelo ar, e engolia a seco cada lufada goela abaixo, afogado pela ventania que me descia a cada abrir de boca. Um redemoinho por respiração. E, era pressão baixa, ou havia centelhas dançando em volta da loucura de Eos?
__Os braços amoleceram, e por sorte logo o vento idem.
__E da árvore do quintal, das árvores do campo, que sobraram em galhos feridos? E as flores, do jardim que estava ali, invisível, na alma que se ia nas areias de veos? Pétalas, que gritavam em busca de seus cálices vazios de mel, vazios de asas, soltos às gramíneas e sem chance de dar cabo a sua espécie?
__Mais distante, quase do tamanho duma mosquinha, numa dessas relvas desoladas, jazia o corpo.
__Maninho!
__De bruços, de braços nus, com seu frágil tronco tombado sem roupas.
__Enferrujado, corri ao zinho, com o fôlego emprestado da mãe vontade, e, com tapas de carinho a amor, bati no rosto até que emergissem nas bochechas a resposta de sua vidinha.
__Ele acordou, chorou pelos tapas, mas conforme o abracei forte e dividoso, entendeu, soluçou, e lembrou que estava ali sem saber há quando. Perguntava, mas o inho só arregalava os olhos quanto mais seus olhos varriam o que já havia se varrido no campo. Inútil tentar mais testemunhos, portanto voltamos para a cabana, ainda, por graça, firme.
__Lá, depois de um chá e banho de canequinha, meu maninho vomitou. O começo no meio o meio no fim o fim no começo o começo de novo e de novo tudo ao contrário sem que conseguisse formar a coisa na causa e seqüência em conseqüência. Sugeri dormirmos.
__Nada falou naquela noite, e de seu ego só saiu um grunhido manhoso, medroso, pedindo abraço enquanto dormíamos na mesma cama; pedindo proteção, quase sem conseguir nanar, com medo que a mão invisível o carregasse pro meio daquela zonona. Pedindo explicações silenciosas. Mas a energia aplicada ante tragédia uma hora veio bater à porta cobrar juros, e suas janelinhas fecharam enfim.
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__[...]
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__Nada como um passou. Entre os rerrelatos que depois vieram espontâneos, encontrei da boca do maninho algumas construções em processo, como “achei que estava voando”, “veio de repente”, “não tive medo” e “até que caí no chão e você me bateu”.
__— “Eu” estava voando”? Ou “você” estava voando?
__— E ela também.
__Então compreendi.
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__[...]
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__O irmão mais velho simplificava os comos às perguntadores da região. Como pudera ser tão rápido? Como ele foi tão longe? Conhecia? Como deixou ele brincar com uma estranha? Se bem que nunca se desconfiaria. E por que ela sumiu quando ele estava entregue ao desastre? Ah, a liberdade... Mas, gente, que abismo sem placas!
__Não era por mal, só que não queria falar, nem forçar o menino falar. Quando interrompido por alguém da família, o menorzinho pegava sua bola e a abraçava, olhando reto ao fundo da grama, e a pessoa sentia que incomodava, até mesmo aquelas meninas compreensivistas. E então voltavam seus olhares clamantes, ao maior, exigindo como-não-? satisfações.
__Nunca mais a voz de gargalhada. Só o medrosinho, que só se apresentava agarrado a uma das pernas do medrosão.
__Nem nunca a garotinha das vendas, dos vendavais. Das chuvas, dos terremotos e dos vulcões, as redes transmissoras avisavam a cabana cada vez mais antecipadas. Mas os ventos, da entrada à saída, a pressão, a altura, essas coisas que a física entende mais que a química, ninguém nunca preveu. E, no entanto, o mais velho se assustou quando o irmãozinhozão disse, também sem previsão, que toparia voar daquele jeito inseguro só pra sair um pouco daquela previsível monotomia da metologia da cidade.
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12 de abril de 2007

Valha-me Ford!

Eu sonego, e tenho aqui na mão
Eu sonego e pego um popozão
Minha mulher, feliz, com Ricardão
Se perguntarem?
Só nego: — Eu não!

Falam de bolha, ai, que vida!
Que ilusão, pra quem tá dasludida?
Me vem com banho em
box de vidro?
Compre já, querido,
'coz my pool tinha hidro.

Se valia a pena gastar?
My poor money, my new car...
...valia a pena explorar!
Achei que não valia
Mais, valia!



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O vento trouxe até mim uma tal comunidade do Orkut engraçadíssima, chamada "Poesia Neoliberal", cuja proposta vocês podem conferir aqui. (Será que podia divugar?).

Escrevi baseado nessa proposta, ainda de brincadeira, e gostei, postei.
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Poema dos camaradas

Caras, e amada.
Ê, dama cara!
— E camas dará.

— Cara, és amada?
E, mascarada:
— És camarada...

— Câmara-sade!
— E Sadam, cara?
— É drama, saca?
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31 de março de 2007

Poste a poste, post a post.

Sobre os filmes O Cheiro do Ralo e A Leste de Bucareste.



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O dia estava belo e a curva do sorriso era ascendente. Calor está contido em trânsito, mas não importava: semana generosa e econômica. (Descobri alguns pérolas na Biblioteca de Osasco, e na hora virei sócio). — Saldo positivo dois na seqüência eu nunca vi comigo), então decidi curtir um cinema escolhido na hora. Fui para a Consolação direto do trabalho e peguei duas sessões que valeram a pena.

__Um parênteses: eu estava no escritório fazendo reunião durante o final da tarde. Todo o suor da semana (que foi amenizado por estar em casa) foi reconhecido, bastante reconhecido, e de lá saí empolgado como nunca. Esse negócio de ser freelancer vai dar certo, é o que eu sinto. Principalmente porque olhando para trás, num dia em que eu tinha inclusive nadado pela manhã, e fizera tudo que tinha dever, achava que tinha o direito de fechar com chave de ouro com alguma surpresa instantânea.

__Confesso que a intenção era assistir a uma estréia de peça de teatro, no Sesc Av. Paulista. Porém, São Paulo definitivamente não tem mais espaço para carros, e é por isso que, com cinismo singelo de auto-desculpa, eu digo que contribuo para a melhoria do sistema viário tomando ônibus. Basta um livro da biblioteca numa mão e um apoio de equilíbrio na outra, e a viagem está garantidamente proveitosa.

__Desci na Concolação às 19h20 e em cinco mintos estava na sala. Escolhi pelo país. Leste europeu era inédito para mim.

__— A Leste de Bucareste? É romeno? Meia-entrada, por favor.

__Terminado, estava feliz pela mensagem do longa, e, empolgado, saltei os degraus de dois em dois e chegei à recepção cinco minutos após ter começado O Cheiro do Ralo.

__— Ainda dá tempo? — E entrei.

__Boas escolhas. Tão boas, que me sinto na obrigação de escrever a respeito de cada um. Sem pretensão de virar crítica de cinema (nem pense que isso será comum), e também contra meus princípios de tornarm o blog qualquer coisa parecida com um diário, mas dessa vez vale a pena pelos filmes. São temas recorrentes nos meus assuntos.

__A Leste de Bucareste mostra em plenas vésperas de Natal um professor de história, um velhinho que se fantasia de Papai Noel e um dono de uma precária emissora de TV. Passaram 16 anos da revolução de 1989 em Bucareste quando o comunismo foi deposto da Romênia e o objetivo da transmissão do dia 22 de dezembro (de 2005?) era levantar uma questão histórica e de identidade para a cidade (que não é Bucareste): Afinal, houve revolução naquele local onde eles vivem?

__O ponto do apresentador é o seguinte: existiu algum movimento originado ali mesmo, e culminou ao protesto final da multidão na praça? Ou o povo se reuniu apenas depois da notícia televisiva da revolução em Bucareste? Para isso, o apresentador do "talkshow" chama o professor de História, que diz que esteve na praça e que provavelmente deu início à revolta, e também um velho bonachão (e carismático para quem assiste!) que esteve entre as pessoas que gritavam "abaixo o comunismo".

__Acontece que os telespectadores que ligam ao programa desmentem o professor, apesar de que nenhum relato nem mesmo o dele mesmo consegue assegurar sua relação direta com a revolução que teria ocorrido simultaneamente à de Bucareste. Há então uma tentativa angustiada para reconstruir os fatos, estimando até mesmo os horários pontuais para que a história de todos pudessem se encaixar.

__— Você voltou do mercado a pé?
__— O que você fazia entre onze e meio-dia?
__— Passou pela praça ao meio-dia ou meio-dia e meia?
__Antes ou depois das 12:08?

__Por causa de desentendimentos, ninguém entra numa conclusão, e a transmissão começa a apontar um fracasso no objetivo. Porque nem os telespectadores assumem a possibilidade do erro, nem o historiador nega sua presença momentos antes da população se aglomerar. Até que, abatido, estressado e ansioso para que tudo termine, para preencher os vários minutos que faltavam o apresentador pede ao velho que conte sua história. Digo "até que" porque no filme a impressão é de fracasso mesmo assim; de que o relato do velhinho teimoso e inquieto seja apenas para encher lingüiça naquela frustrante edição.

__Mas pra quem está do lado de fora, uma bela metáfora é iluminada através do tímido e humilde relato do vovó.

__Resumido:

__Acordei às 6:30 e discuti com minha mulher. Fui trabalhar, porém fiquei abatido por ter brigado com ela e pedi permissão ao chefe para sair mais cedo naquele dia. Na volta, roubei três flores do jardim botânico e presenteei-as pra minha esposa. Que não disse uma só palavra, mas cujo reflexo pelo vidro da janela mostrava sua aceitação. Eu adorava seu sorriso, mesmo quando negado. Foi então que eu liguei a TV, vi as notícias da revolução em Bucareste e resolvi sair às ruas para mostrar a ela que eu era corajoso.

__O apresentador, acreditando que chegou ao ponto da questão, pergunta:

__Só após ver na TV? Então não houve revolução! Não foi simultâneo. Foi um levante garantido.

__O velho, com sua simplicidade e carisma birrento, responde:

__Eu acredito que houve, sim. A revolução são como esses postes de eletricidade que temos na cidade. Vai acendendo um, depois outro, depois outro. Este, para mim, é o singelo ápice do filme, porque a partir de então os três caem numa discussão: se os postes eram fotossensíveis, aquela metáfora não prestava para o que se queria dizer.

__E afinal, por que eu gostei tanto desse filme barato? Pela metáfora.

__Mais que uma revolução de postes por efeito dominó, me tocou um ponto que, por analogia, é o que vivemos hoje. Nossas revoluções por minuto são baseadas em e-mails, spams, fowards. Exceto algumas marchas na Paulista, quem dá as caras e vai atrás de seus direitos, cobrando justiça e uma política que mais lhe convenha? Quase ninguém. O filme então, sem destacar mas destacando, ressalta o poder quase absoluto que a TV e a mídia em geral têm sobre as revoluções de hoje em dia. Alguém se lembra dos Fora-Collor? Não vi nenhum empresário (os reais prejudicados) sujando o terno. Aliás, esse "não vi" é modo de dizer, porque na época eu mal estava na segunda série, quando conheci o Eduardo, por ironia de época. E no ano da democracia, 84, eu nascia. Mais uma risada amarela de deus.

__Voltando. A revolução está nas telas, nos jornais, nas cédulas. Já o papel de verdadeiros pensadores, que poderiam mudar a história, são abafados pelos interesses dos poderosos como inclusive é mostrado no filme, pela depreciação do descreditado professor de História, revolucionário de adjetivo cassado.

__O efeito dominó da revolução mediática não oculta, porém, a forte referência que temos àquele velho ensinamento oriental: para mudar o mundo, é preciso antes de tudo mudar a si mesmo. Os outros postes se acendem por seu exemplo.

__E o filme termina em silêncio, com imagens de um anoitecer que vai acendendo aos poucos poste a poste.

__Feliz por ter saído do cinema com essa interpretação, fui empolgado para O Cheiro do Ralo.

__Em primeira instância, me desapontei. De fato, o filme, apesar da pouca verba, tem muita propaganda e o teor dele já é traduzido pelo trailler. Isso frustra quem busca surpresa. A edição da imagem me pareceu muito de filme de ação, pelo fato de que uma cena de conflito interno e aquela música triste poderiam ser suavizados, em vez de cortados bruscamente. Os pensamentos do personagem principal também seriam melhor aproveitados se fossem menos explícitos. Parecem que querem explicar o que ele está sentindo e garantir o entendimento do intertexto. Provavelmente pensaram no público massificado ao inserir aquelas narrações em off, que em certo momento irritam.

__Mas isso passa. Porque a mensagem podre que nos é passada também é divertida e "sarcáustica". (Sinopse tem aqui). É um cinismo contra o preço do ser-humano e a coisificação das pessoas. É sempre dinheiro, dinheiro, dinheiro que corrompe nossas tripas e faz o ralo feder. Ele vai à lanchonete ver a bunda, e a comida lhe faz mal, e o banheiro então passa a feder por causa do ralo, e aquele cheiro corrói seus pensamentos, o faz tornar inseguro quanto a si mesmo, e para fechar o ciclo, ela vai e olha a bunda. Louco para um dia poder comprá-la. Mas algo diz que ele começa a gostar dela. Só que ele impede seu sentimento, recusa a cervejinha após o expediente e pensa consigo mesmo:

__Eu quero pagar por ela, e não gostar dela.

__Ele acaba magoando-a e sua crise e alastra para com todo o seu círculo social.

__Expandindo o conceito simbólico para a sociedade, poderia ser entendido como o apodrecimento interno que cada um se deixa passar em virtude de mesquinharias, frieza e egoísmo para com as pessoas ao redor. Tudo tem um preço, inclusive o da segurança. O poder é afrodisíaco, diz Lourenço.

__Somos bundões.

__No final, quando ele finalmente consegue a bunda, é emocionante. (Você me oferece dinheiro para mostrar a bunda, e não percebe que eu estava louca para me entregar inteira?). Ele abraça o objeto de desejo e chora, chora, chora...

__Mas de novo quiseram amenizar o drama e cortaram o momento bem na hora que o filme convencia e aumentava a relação de custo-benefício. Ops! Olha eu falando de valores materiais...

__Mas vale a pena, sim.

__Volto para casa com a sensação de ser alguém mais simples, porém revolucionário, e também menos podre. O contexto de meus dia-a-dia destas últimas duas semanas suporta a tese.