18 de julho de 2004

Tipos de Relacionamento: assunto pra juventude dormir

Outro dia ouvi uma pata definindo 10 ou 50 tipos de relacionamento até antes de um noivado (casamento não contava). E eis o que ouvi: "Tem o casual, tem o ficar, tem o namoro sério, o namoro casual, tem o companheiro de balada, tem o ficante de rua (que, segundo ela, é ficar, só que mais fácil, porque você não vai longe), tem o tchucas (que envolve carinho e selinho, mas não envolve língua — um tipo de conforto pra quem tá carente, pelo que entendi), tem o ficar-junto (que é o ficar, só que querendo namorar, pois se ligam todos os dias, avisam onde vão sair, mas o menino ainda não deixou oficial, e por isso a menina não pode dizer que estão namorando), etc. E perguntei: por que tanta coisa? Não é mais fácil dizer "quero te beijar/abraçar/amar/foder/deixar"? E ela respondeu que isso é útil para muitas coisas. Por exemplo, para saber até que horas devo ligar para a menina. Se for namoro, até meia-noite. Se for "ficar-junto", até onze horas. Se for o ficar casual, só não ligue na hora da novela, e não fiquem por mais que dez minutos falando, que daí já vai dar a entender que você quer algo sério.

Foi tão absurdo que eu já não podia responder à garota — que se diz livre, moderna, despojada e que não liga para aparências. O que ela fez era como se fosse uma constituição, onde se cria para a liberdade dos cidadãos, mas no fundo só os prende.

Quanto a esse povo "desencanado", que fica pensando em que tipo de relação se está, ou o que o outro lado está querendo (segundo eles, isso é fundamental, porque devemos privilegiar nossa "independência"), para essas pessoas de quem tenho pena eu sugiro criar o M.E.C.O.M.A.: Movimento da Emenda Constituinte Ortodoxa dos Mau Amados.

Bando de frustrados.

17 de julho de 2004

Após um Trópico de Câncer.

"E Cronstadt, depois que receber as notícias, viverá um pouco mais vigorosamente, um pouco mais brilhantemente, durante cinco minutos; depois cairá de novo no humo de sua ideologia e talvez nasça um poema, um poema com um grande sino dourado sem badalo." (Trópico de Câncer, Henry Miller)

Ontem, numa tarde nublada de domingo morno, terminei definitivamente a versão beta daquele que seria meu primeiro livro. Um relato de minhas primeiras reações, antes de calar-me sedado, como toda rotina contagiosa, de quando andei e andava de trem. Encontrei uma metáfora que, dentre tantas historiasinhas, perde-se, e por isso sinto que aquelas mirradas sessenta páginas — o total que deu, escrita de um canto a outro — não são mais que um sino sem badalo. Funciona a pedrada. Lembro-me de quando entraria no caos das letras na defensiva, com os braços a proteger-me a face. Sempre lembro do que já sonhei. Mas essa merda não sai porque detesto voz mansa, como as de quando pedem para que eu me acalme, mesmo a estar com apenas um pouco mais de agitação, nada de mais — e agora isso soa e instala-se em meu cérebro a barrar-me as idéias. Temo perder o fio, pois já no súbito ligar de máquina esqueci-me de metade do que me fez levantar.

Sim, sinto-me patético naquele "relato de pensamentos duma viagem", pois tenho em memória os mesmos gênios que ascenderam esse fogo, caras como George Orwell ou Umberto Eco. O que mais depois deles? Ter a experiência de 1984 foi, pra mim, como numa transa inesquecível, um gozo aparentemente inacabável. Mas acabou, e fica na lembrança os prazeres daquele percorrer de pontes; e não há cinco a um ou tec tec que supere aquela sensação. Hoje eu os odeio. Sou filho de Saturno do ledo engano forjado antes da pedra. Mas a tímida chama, brava e pavorosa, queima no cerne, e o ímpeto de sentar-me escravo do teclado soa-me um maso prazer.

Uma conhecida minha, motivo de repentina paixão no passado, revelou-me uma boa, ou pelo menos aos olhos de um leigo como eu, promissora escritora. Ela escreve pequenos contos revoltosos, contra as comuns leis das aparências, a sociedade televisiva, e entre outras coisas clichês na juventude pseudo-revolucionária. Chamo pseudo, mas não seria o caso. Inter-revolucionária, pois banca o grito entre amigos e próximos, mas se nega à estandarte do berro público. Acho que já superei essa fase. Eu contradigo a mim mesmo em minhas paixões. Sempre voltando os olhos para as mais independentes (ou assim chamadas) e cabeças (ou assim chamadas), mas sinto um certo asco nessa toda soberba. Desejo de destruir orgulho? Talvez. Contradigo-me pois quero amordaçar a som de suspiros essas bocas faladeiras, mesmo quando mudas, e abafar o que me faz levantar bandeira. Sinto ódio pois sou um tonto perto de sua total falta atenção. E faço justiça a essa falta de atenção, sim. — Já conversei com um amigo, o Ássimo, a respeito desse minha total falta de modos no apresentar-me; e tenho consciência dos resultados; mas o que posso fazer, se não me aflige a reação tão contrária a meus primeiros objetivos? Assumo e assino meu próprio sepulcro. — E odeio meu amor por elas. Mas a garota de quem falo, a escritora jovem (mais justo que se fosse "jovem escritora") fez-me lembrar do para que sirvo mais fielmente.

Tenho ainda, depois do Trem, o Menino, a Faculdade, e quem sabe um dia, após muito estudo, uma Guerra Astrológica. Mas seriam livro grandes, demandando muitos dias, e isso enjoa um bocado para quem tem sede por mudança — quem dera pudesse escrever mil páginas por dia! — e por isso este blog aqui, chamado de A Lava Lava, ser-me-á de muita serventia. Há de haver quem leia e me cuspa, pois é um sino de ferro e ainda sem badalo, porque vim de baixo; não duma favela, confesso, mas foi demasiado tarde, para meus anseios presentes, o meu primeiro contato com os gênios — meu passado é assombrosamente metódico e fiel; mas esta é minha casa, e aos que entrarem, uma honra, aos que por ela passarem, um prazer.

12 de julho de 2004

Não me interprete mal! — A voz do texto que não vomitamos ao passar mal.

No domingo estava eu na casa dum amigo, conferindo pela Internet quanto fora seu resultado no Enem. E dentre as 63 questões, lá estava uma daquelas dos tempos antigos, dos tempos modernos, aquele tipo de questão que no colegial tanto apavorava minha intuição: “De acordo com o texto e as figuras de linguagem utilizadas, o que quis dizer o autor com o trecho...”


Dizem esses grandes estudiosos que, “graças à época em que vivia o poeta, seus pesadelos refletem a ansiedade da burguesia em relação aos fatos que decorriam constantemente, espelhando as paixões de um povo” e esse tipo de interpretação. Pois quer saber de uma coisa? — Que se foda tudo isso.


Hoje, com alguns anos a mais e um curso de comunicação nas costas, eu pergunto para que raios existem, desde que entramos na escola, questões e provas sobre interpretação de textos. Por que é que somos obrigados a enxergar as entrelinhas observadas por um cara que se diz mais culto que a gente, sentando a bunda na diretoria de alguma universidade ou academia de letras? Já que é uma academia, eles deveriam aproveitar o nome e malhar um pouco mais suas idéias sobre interpretação dos clássicos.


Até a Teoria da Comunicação já afirma: a mensagens não é feita apenas pelo emissor; e ,segundo um outro autor, "uma vez lida, a palavra é metade de quem diz, metade de quem ouve." — O processo comunicativo acontece da seguinte forma: há um meio, um ambiente, uma situação que envolve tudo; neste bolo, surge o emissor, que utiliza códigos para formar a sua mensagem; do outro lado, está o receptor, que pode ou não ter no repertório o mesmo código, e isso influi na decodificação da mensagem; há uma resposta, que volta para o emissor como um retrocesso (feedback); influindo em tudo isso, existem os ruídos, que são diversas formas de atrapalhar o processo. — Agora, analisemos quem é quem, nos dias de hoje, em leituras colegiais preparatórias para vestibular: o ambiente é a época, o emissor é por exemplo Fernando em Pessoa, o código é a metáfora, a mensagem é Mares de Portugal, o receptor é o aluno, que lê cada verso, compreende cada linha e dá como resposta uma exaltação mórbida ao grande poeta e tira 10 no exame, certo? — Errado.


Inclua no ambiente do emissor os processos mentais que porra louca de época nenhuma descobrirá do que se trata; isso basta para que nenhuma prova seja válida. Mas tem mais. Misture na codificação um elemento que nenhum racionalzinho de merda saberá lidar: a emoção. Lembre-se também que ninguém é obrigado a saber que o sobrinho do cunhado do padrinho do autor tinha falecido na época, para sabermos realmente o que influía nas palavras escritas com e sob pressão. E voltemos agora para ano 2004, época de Enem e vestibular.


Eu tenho 17 anos e ouço Avril Lavigne, Charlie Brown Jr. e rádio Mix FM como prova de minha juventude revolucionária e independente. É suficiente para entender cada lágrima do poeta defunto. E, tipo assim... putz meu, tipo... sei lá, sabe, eu ainda naum devo, tipo... saber o q eu qro da vd, qro curir a minha vida, ser + eu, sabe... tem q t o dom pra entende o dom [Casmurro], neh naum? — Ainda bem que existem os manuais da Fuvest sobre as 10 obras do ano. — Na caldeira, também tem a pressão para passar no vestibular (aos 17, 18 anos). Tem que entender o que o autor quis dizer (ou, pelo menos, entender o que o professor com sua análise quis dizer); porque sou burro, não enxergo o que todos deveriam ver. Eu não posso responder o que eu senti lendo “quanto de teu sal são lágrima de Portugal” porque minha viagem foi para outro lugar, diferente do que eu li no jornal do vestibulando. Você sabe o Guimarães? Putz, eu só entendi depois que li a resolução do ano passado... — “E fizeram o carnaval” na interpretação do cara. Mas, peraí, nas 5 alternativas não está a minha percebida! O que é isso, Drummond? — Bah, vai se foder, vou chutar a B!


O parágrafo anterior é nojento. A realidade é nojenta. No colegial, o que salvava meu Português era a gramática, porque eu não sabia entender o que os outros entendiam. Por isso, fiquei traumatizado com interpretação de textos. Lia com má fé, e por isso perdi muitos autores que são bons pelo que foram de humanos, não pelo que são de robôs em treinamento para a prova de cem questões. — Isso mesmo, foi-se o tempo dos professores-professores. Hoje, prefiro chamar as escolas de prestadoras-de-serviços-para-consumidores-que aspiram-sucesso; e talvez mais por elas do que pelos próprios mestres, temos professores-treinadores. Ensinar? Formação humana? Pra quê? Tenho mesmo é que ganhar dinheiro propagandeando a todos quantos de meus alunos entraram de primeira em Medicina na USP. — E eu não acho que sou o único com traumas de grandes autores, escritores “dos que fazem pensar”. Essa frustração deve ser o motivo para que os best-sellers sejam justamente os de auto-ajuda, ou os autores "super profundos". — Será que é tão difícil assumir que cada um tem a sua interpretação? Que cada um tem seu repertório pessoal? Que temos 17 anos e não é pela digestão forçada, nem por osmose, que aprenderemos como apreciar um texto? Os alunos deveriam ler filosofia individualista, não correções de prova.


Mas creio que sou, neste ínterim, muito estúpido, muito ignorante. Mas, quem sabe?, não serei eu o garoto do reino, que olhou para o rei pelado, que sorria diante de pessoas que fingiam ver nele seu traje magnífico, e disse, para surpresa de todos: Vejam, o rei está pelado!?