Conversas Ordinárias.
Eis que essa mais nova má impressão ocorreu por telefonema. Resumo da coisa: quero sair com ela pra conversar; mas olha, sou chato, fico atrás, e quando desencano por um tempo, o desejo vem em forma de veneno, pontada, cutucada irônica. E... tcha-rân! — É claro que passei a tal da impressão errada.
— Sinto-me cobrada. — E na hora eu notei que tinha feito besteira; (ou não).
— Não, não é isso... desculpa se dei essa impressão... — e mais blá-blá-blás de quem não sabe como voltar atrás e apagar o incidente; mas, pensando comigo mesmo, talvez seja cobrança mesmo; a culpa é dos canais, dos meios de comunicação e do uso errado que fazemos deles; aliás, errado, não: desperdiçado.
Mas em homenagem, vou dedicar esse texto a todos os extraordinários que eu conheço.
— Sim, sim, extraordinários!
— Oras, mas que porra é isso que ele tá falando agora?
— A porra de que eu falo é a porra dos assuntos às vezes sem pé nem cabeça que conversamos por aí. Como dizia o Coelho (pelamor, não é o Paulo), “são por essas conversas que tornamos nossas vidas menos medíocres”.
Dostoiévsky, em seu ‘Crime e Castigo’ (3º melhor livro na minha lista; só perde para ‘1984’ e ‘Admirável Mundo Novo’ e todas as suas metáforas), fala que existem pessoas ordinárias e extraordinárias — para Nietzsche, seria os Super-Homens do mundo. Mas o grande problema que eu vejo é que há muitos ordinários que pensam ser extra (pelo menos, é com merda que se aduba novas sementes). — Eu não vou me meter a dizer quem é extra e quem é reles, porém uma coisa que sinto fortemente é a percepção de quem tenha potencial. Não em mim, é claro, mas principalmente nas mais misteriosas pessoas; sempre com um olhar de cúmplice, um papo de dez palavras que valem por um livro todo, e por aí vai. E quando há chance de conversar, posso jurar que nunca sai um papo... ordinário.
Não foi Jesus que disse “deixai vir a mim as criancinhas, pois delas será feito o reino dos céus”? — Eu, como bom ou mal apreciador de simbologia e metáforas, considero que Jesus, se realmente existiu, era O cara (e a igreja, a coroa); e como todo extraordinário, sabe dizer por metáforas, dizer pelo não-dizer. E creio que “as criancinhas” são uma metáfora muito além da interpretação de “inocência e pureza”; acredito que isso seja uma apologia ao discurso não-adulto (ou adúltero - ao amor), quero dizer, da liberação da mente para conversas sobrenaturais; as tais "conversas extraordinárias". Afinal, a criança-criança não tem ainda o bom senso, então não priva suas emoções de virem à tona. Deixemos fluir, fluir ao infinito, pois só assim é que se alcança o máximo estado “de espírito” — o tal do céu.
Eu realmente acredito que seja isso; prefiro crer assim do que achar que Jesus previa o infanticídio. (turupish!) — “Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu.”
E foram dos assuntos extra que surgiram os clássicos, as obras mais humanas. Mas quem disse que a galera lê clássico? Lê nada! Vê novela! Vê auto-ajuda! Lê horóscopo! Consome mitos nas marcas e heróis nos programas! E por quê? Porque precisam disso! — Elas sufocaram a criança com a razão, e somente (se somente) com as intimidades é quando ou com quem deixam-na brincar pelo jardim das idéias!
Tudo isso eu sinto, eu cheiro, mas não sei explicar. “Louco, sim, louco porque quis grandeza [...] Não coube em mim minha certeza” — É meu ponto mais fraco, sinto muito, padre.
Queria ilustrar o que se passa aqui antes de dizer qual é o meu pressentimento; para quem não estiver acostumado com o termo, meu feeling: Sabe por que quero te ver fora do cercadinho? Porque eu sinto que pode ser legal, que pode ser memorável; não importa o lugar, não mesmo! Importa é que o ambiente seja mero resultado da troca de energia, da troca de idéias; da troca! E como ter isso pelo MSN? Ou ainda pelo telefone, que priva o gesto da cena? Uma hora por Internet não valem dez minutos de conversa de verdade. Sabe, o MSN é realmente útil para falar com aquelas pessoas que você não quer ligar, não quer sair, não vê a muito tempo, e etc. Aproxima, de uma certa forma; mas também bloqueia: a minhoca faz o seu canal e seu caminho pela terra; mas quanto mais intensa for sua energia, mais rapidamente haverá irrigação, e será arejada a semente que florescerá.
“Por isso onde o areal está/ Ficou meu ser que houve. Não o que há.”
É frustrante; nada foi prometido, eu sei; mas na louca mente, perceber é acreditar.
Na hora do telefonema não veio nada disso à mente. Sei que pode ser meio vergonhoso escrever as idéias, em vez de dizê-las; mas como eu bem me conheço, esperar para depois esfriaria a lava que lava. Estou lavado, vê? Vê? — Mas até que não é vergonhoso: libertai as crianças, e flutuareis leve como no céu.
“Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor.”
O que eu escrevo pode ser ordinário; mas o que me impulsiona é o extraordinário. E para gente assim, eu não desejo o MSN.
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Nota de rodapé: Comecei escrevendo pensando em uma pessoa, mas terminei com várias. Se eu indiquei esse texto a você que lê agora, considere que eu o percebo como "potencialmente" extraordinário.
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Os versos em itálico são de “Mar Português” e “D. Sebastião, Rei de Portugal”, ambos de Fernando Pessoa.