24 de dezembro de 2004

Conversas Ordinárias.

Eu às vezes sinto que sou o cara que mais deixa más impressões por aí. E foi por ficar sem resposta (decente) que senti-me no impulso digitador de palavras a este blog.

Eis que essa mais nova má impressão ocorreu por telefonema. Resumo da coisa: quero sair com ela pra conversar; mas olha, sou chato, fico atrás, e quando desencano por um tempo, o desejo vem em forma de veneno, pontada, cutucada irônica. E... tcha-rân! — É claro que passei a tal da impressão errada.
— Sinto-me cobrada. — E na hora eu notei que tinha feito besteira; (ou não).
— Não, não é isso... desculpa se dei essa impressão... — e mais blá-blá-blás de quem não sabe como voltar atrás e apagar o incidente; mas, pensando comigo mesmo, talvez seja cobrança mesmo; a culpa é dos canais, dos meios de comunicação e do uso errado que fazemos deles; aliás, errado, não: desperdiçado.

Mas em homenagem, vou dedicar esse texto a todos os extraordinários que eu conheço.

— Sim, sim, extraordinários!
— Oras, mas que porra é isso que ele tá falando agora?
— A porra de que eu falo é a porra dos assuntos às vezes sem pé nem cabeça que conversamos por aí. Como dizia o Coelho (pelamor, não é o Paulo), “são por essas conversas que tornamos nossas vidas menos medíocres”.

Dostoiévsky, em seu ‘Crime e Castigo’ (3º melhor livro na minha lista; só perde para ‘1984’ e ‘Admirável Mundo Novo’ e todas as suas metáforas), fala que existem pessoas ordinárias e extraordinárias — para Nietzsche, seria os Super-Homens do mundo. Mas o grande problema que eu vejo é que há muitos ordinários que pensam ser extra (pelo menos, é com merda que se aduba novas sementes). — Eu não vou me meter a dizer quem é extra e quem é reles, porém uma coisa que sinto fortemente é a percepção de quem tenha potencial. Não em mim, é claro, mas principalmente nas mais misteriosas pessoas; sempre com um olhar de cúmplice, um papo de dez palavras que valem por um livro todo, e por aí vai. E quando há chance de conversar, posso jurar que nunca sai um papo... ordinário.

Não foi Jesus que disse “deixai vir a mim as criancinhas, pois delas será feito o reino dos céus”? — Eu, como bom ou mal apreciador de simbologia e metáforas, considero que Jesus, se realmente existiu, era O cara (e a igreja, a coroa); e como todo extraordinário, sabe dizer por metáforas, dizer pelo não-dizer. E creio que “as criancinhas” são uma metáfora muito além da interpretação de “inocência e pureza”; acredito que isso seja uma apologia ao discurso não-adulto (ou adúltero - ao amor), quero dizer, da liberação da mente para conversas sobrenaturais; as tais "conversas extraordinárias". Afinal, a criança-criança não tem ainda o bom senso, então não priva suas emoções de virem à tona. Deixemos fluir, fluir ao infinito, pois só assim é que se alcança o máximo estado “de espírito” — o tal do céu.

Eu realmente acredito que seja isso; prefiro crer assim do que achar que Jesus previa o infanticídio. (turupish!) — “Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu.”

E foram dos assuntos extra que surgiram os clássicos, as obras mais humanas. Mas quem disse que a galera lê clássico? Lê nada! Vê novela! Vê auto-ajuda! Lê horóscopo! Consome mitos nas marcas e heróis nos programas! E por quê? Porque precisam disso! — Elas sufocaram a criança com a razão, e somente (se somente) com as intimidades é quando ou com quem deixam-na brincar pelo jardim das idéias!

Tudo isso eu sinto, eu cheiro, mas não sei explicar. “Louco, sim, louco porque quis grandeza [...] Não coube em mim minha certeza” — É meu ponto mais fraco, sinto muito, padre.

Queria ilustrar o que se passa aqui antes de dizer qual é o meu pressentimento; para quem não estiver acostumado com o termo, meu feeling: Sabe por que quero te ver fora do cercadinho? Porque eu sinto que pode ser legal, que pode ser memorável; não importa o lugar, não mesmo! Importa é que o ambiente seja mero resultado da troca de energia, da troca de idéias; da troca! E como ter isso pelo MSN? Ou ainda pelo telefone, que priva o gesto da cena? Uma hora por Internet não valem dez minutos de conversa de verdade. Sabe, o MSN é realmente útil para falar com aquelas pessoas que você não quer ligar, não quer sair, não vê a muito tempo, e etc. Aproxima, de uma certa forma; mas também bloqueia: a minhoca faz o seu canal e seu caminho pela terra; mas quanto mais intensa for sua energia, mais rapidamente haverá irrigação, e será arejada a semente que florescerá.
— Não é cobrança. É sentimento de falta; de quero-mais; de olhar de relance e dizer “Cara... como eu quero conhecê-la!”, mas em vez de gestos e conversas cara-a-cara, apenas alguns caracteres tela-a-tela.

“Por isso onde o areal está/ Ficou meu ser que houve. Não o que há.”

É frustrante; nada foi prometido, eu sei; mas na louca mente, perceber é acreditar.
Na hora do telefonema não veio nada disso à mente. Sei que pode ser meio vergonhoso escrever as idéias, em vez de dizê-las; mas como eu bem me conheço, esperar para depois esfriaria a lava que lava. Estou lavado, vê? ? — Mas até que não é vergonhoso: libertai as crianças, e flutuareis leve como no céu.

“Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor.”

O que eu escrevo pode ser ordinário; mas o que me impulsiona é o extraordinário. E para gente assim, eu não desejo o MSN.
Beijos.
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Nota de rodapé: Comecei escrevendo pensando em uma pessoa, mas terminei com várias. Se eu indiquei esse texto a você que lê agora, considere que eu o percebo como "potencialmente" extraordinário.
E se você for comentar, coloque seu nome na assinatura, para eu saber quem foi. (não precisa se registrar no Blogger, ok?)
Os versos em itálico são de “Mar Português” e “D. Sebastião, Rei de Portugal”, ambos de Fernando Pessoa.

20 de dezembro de 2004

Propaganda pra burros.

“A tribo dos modernos faz as compras de Natal na Skol Webstore.
A dos yanomamis prefere o shopping lotado mesmo.”
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[...]
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— Não, obrigado. — Nem silvícola, nem nazista.
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15 de dezembro de 2004

Eu acredito em deuses; — é o que faz aquele que necessita do outro, pois não é por si só [...].

Foram semanas de ausência, sim, confesso. Traí minha própria promessa, sim, confesso. — Mesmo sendo a poucas pessoas que apreciam o blog, ou que sentem pena de mim; (sim, confesso). — E agora meus dedos estão gordos; as vias por onde fluem as idéias têm colesterol ruim; e as artérias do coração quase foram entupidas.

“Ó, perdoe-me por desobedecer-te. Por ceder às exigências da carne; por não te corresponder quanto a anseios. O senhor é meu pastor; talvez tudo me falte.” — Dizia eu a quem eu mais acredito: ao espelho; à criança que dorme.

Agora eu digito; — não é escrever, é digitar. Não quis fazer rascunho do que ia dizer, e sim começar e descobrir aonde chegar. O clima está frio, e como meu motor também funciona a álcool, talvez morra logo após a partida.

Nesses dias, a pressão da faculdade impediu idéias. Sei que um não estão opostas à outra, mas... pelamor, como é que posso? No trabalho, sento para digitar textos vendáveis — o que é uma mentira; meu texto é só suporte — e nos dias de folga, mais textos; dessa vez, longos trabalhos para as matérias mercadológicas; (carinhosamente chamadas de merdológicas). Primeiro, Trade Marketing. Depois, Recursos Humanos. Para fechar com chave de ouro, CRM. Muito estresse, muito. O que estou fazendo, deus! Um nome no currículo vale postergar a mim mesmo?

(Questões antigas levantadas por todo jovem.)

Morri às letras; fechei os livros; dormi nos ônibus; e deixei de observar os detalhes. E agora o arrependimento, por não ter combatido o sono, por não ter fluído a ânsia que sempre ferve no cerne, por ter tapado com terra e grana e gana a lava quente que daqui emana; ela endurece, e agora não explode mais como antes. Há algo gritando abafado, e esse algo cresce, estufa, pressiona e quer implodir essa crosta suja, este poro entupido de fraqueza mental, “moral”.

Ó Hades, dos vultos, que agora me aprisionam; houve ciúmes de minha não-visita costumeira? Ó Apolo, músico, que agora só tocas, e não me deixas tocar. Ó Dionísio; não queria que tua casa fosse a última saída, e sim a primeira, a oportuna, e não-obrigatória! Eros, por que te escondes? Afrodite, por que me zombas? Ares, traze-me novos ares! — Vós e todo vosso universo, voltai a girar em torno de mim. Fazei-me parte de vossa órbita!

São os votos de todos nós, Claucios que sonham em voltar a sonhar por nós.

13 de dezembro de 2004

Lágrimas e mar são água e sais. Surreal? Ou sou real?

— O que é isso em teus olhos?
— É água. E sai.

Lágrimas é um rio que inunda quando o mar não é navegado.

Já encontrei em minha irmã este remorso; isso é mais freqüente quando o tema em voga é futuro, vestibular, faculdade, etc. Sempre acontece; insegurança definha. Já fui do cara que chegava e dizia “Não fica assim, vai passar, é fase...” — frase, aliás, que serve pra qualquer coisa — mas, como parte de um ideal, não sugiro mais nenhum consolo desse tipo. Na hora da prova, sim, ela vai precisar de apoio moral; mas para a vida, mesmo, e para o dia-a-dia, quem criará forças será ela mesma (nem que seja tirando dos outros).

Pausa.

Se isso parece auto-ajuda pra você, então somos dois. (Eu sabia que estava difícil demais escrever.)

Pra falar a verdade, deixo o amigo sofrer, para que ele aprenda a se levantar sozinho. Sou pró-silêncio, e não dou pêsames. E no sucesso, vou exigir uma rodada por conta, mesmo sem dizer parabéns. Sou pró-silêncio e acredito no olhar.

Essa fase de vestibular é uma merda no Brasil, porque o tal do mercado competitivo brasileiro está exigindo cada vez mais especializações, jovens entrando, graduando e pós-graduando e degraduando, e não abre espaço para que façamos o que gostamos. Imagine, trabalhamos para ganhar grana e para só no futuro fazer o que gostamos; e ainda dizemos que somos racionais? Mas onde está aí a idéia da morte, a mais racional das coisas terrenas?

(Nunca as drogas foram tão necessárias.)

Clarissa: eu me formo com 21 anos e 2 meses, e não (mais) me orgulho disso. Eu queria ter conhecido mais gente; queria ser menos religioso na infância; queria ter dito um bom dia pras vizinhas; queria aproveitar a temperatura das novas idéias enquanto estou no fervor da juventude, mas não! Estudei, estudei, decidi logo cedo “meu destino” e hoje não tenho tempo para fazer o que deveria ter feito agora e ontem. Mesmo no terceiro ano de Comunicação Social, as coisas que descobri até agora são: que não quero fazer marketing; não quero fazer propaganda; e não quero mentir, omitir ou manipular em detrimento de minha saúde mental — pois minha intenção não é trabalhar como camelo e deixar de lado meus livros, músicas, atividades físicas (incluindo aí o sexo) e paixões boemias.

Logo eu sairei do Submarino a procurar por coisas que tenham a ver com escrever idéias. Farei um curso de roteiro audiovisual no fim deste ano, e espero encontrar o meu rumo nas redondezas disso aí.

Pelo menos não esperarei o fim de minha vida para descobrir qual roteiro deveria ter seguido.

Não chore mais.

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Extras do DVD — Cenas cortadas: clipe de Comfortably Numb.

— Para quê esta mão estendida? Por acaso tenho cara de quem lhe dará esmolas? Imagine, um mendigo!

E deus nunca mais estendeu a sua ajuda.

Expressão da opressão - a amargo do âmago

“Fulano de tal convivia na pocilga dos ricos e se acostumara com o isso colocando na cabeça que aquilo era pelo salário, somente. Tentava se conformar que, na verdade, aqueles dali não eram pés para uma nata ainda mais densa. O cheiro de perfumes caros e o desfilar de quadris não eram, mais, impulsos naturais de sobrevivência e sexo, mas dependências químico-físicas do S cifrão. Ele almoçava no refeitório sufocante, mas, exceto pela comida, no local imundo sentia-se quase em casa no meio do povo. Dava-lhe prazer ouvir com o cantos dos ouvidos que, em vez de baladas toda semana, programas caseiros e cerveja em botecos com amigos.

— E você, foi pra baladenha no finde?
Fulano foca o olhar, que antes estava no infinito.
— Hã?
— Tava irada onde eu fui, que balada é aquela? Tudo!
— Não, eu... [com vergonha] eu fiquei em casa vendo um filme.

Era uma risada sarcástica de menosprezo o que estava por trás do “como assim?”.

Fulano sabia que em todos os cantos poderia ser bem quisto em um grupo grande. Mas, talvez, não em um pequeno. Fora com seus poucos amigos residentes, ele nunca saía nos bandos com quem a maior parte do tempo passava na rotina. Primeiro porque se sentia só, sem poder falar dos assuntos relacionados ao que era intimamente, nas entrelinhas, ligado a um poder aquisitivo um pouco maior; segundo, porque ela tinha pena de suas vidas mais alegres e histéricas.”

— Mas o que você faria, se sua família não dependesse de seu salário?

“Um dia pintou a chance de integrar-se com pessoas mais próximas de sua realidade. Enquanto concordava com seus colegas de ramo sobre a inconveniência, a chatice e não-percepção-de-que-nós-temos-coisas-a-fazer e sobre o sarro que tiravam de suas próprias expectativas, Fulano torcia para que o dia viesse logo. Sonhava em como seria o evento. Imaginava quão pobres seriam alguns de seus companheiros de equipe. Praguejava contra quem repudiasse o acontecimento, e assim foi até que o dia veio. Mas, ao contrário do que esperava, a integração não ocorreu de forma efetiva. Às pressas (talvez por ser organizado por gente da alta, na empresa), a competição foi conduzida a ponto de não deixar margem para um bate-papo, uma apresentação sem diferenças salariais, uma utopia da não-panela-social. Quando ele deu conta de si, brindava uma cerveja quente com as mesmas pessoas de sempre.

Voltou com uma saudável depressão; aquela que fala no ouvido sobre como poderia ter sido, mas que lembra que não foi culpa sua. Aquela garota por quem se interessava caiu na equipe, mas, de lá, Fulano só trouxe seu nome.

— Ei, chegou! Não vai descer do ônibus?

E mais uma vez o Fulano guardou consigo o passado de seus pais pobres, que ganharam seus espaços no povinho e às custas colocaram-no no convívio dos mais bem dotados de berço. Tinham a esperança de que seu filho seria um profissional de sucesso, para fazer parte da primeira geração na família que iria dar uma boa aposentadoria aos antepassados. Mas Fulano não deseja fazer parte deste meio, não mais. Quer estar entre gente que dê gosto por isso, sabendo que uma conta rachada no fim da rodada não deixará a carteira furada.

Fulano parou e pensou.
— Mas sou mais um. O desejo de estar sem panelas me direcionou à panela dos não-agrupados. No fim, são os mais restritos. Eles não têm muros, pois bastam o muro da direita, com arame farpado e cerca elétrica, e o da esquerda, pichados com alguma frase suja.

Olhou para o céu e viu a única direção sem discriminação. Quis acreditar num Deus, mas somente viu dois sóis que projetavam sua sombra nas paredes.”




Expressão da opressão - extras dos bastidores

— O caminho... é ser vampiro.
— Ou bobo da corte.
— He he, isso!... Um brinde!...

Nesse sentido, sou tão romântico que não raramente há quem estranhe meu fervor. Em um ambiente opressor, encontrar uma mulher ou amigo de origem parecida à minha é como uma lua que no céu de trevas sai de atrás da nuvem. Mas lobos solitários também lutam pela sobrevivência.

No poema hermético, a razão destrói a poesia do achado. Só não sei se foi o anjo ou foi o satãzinho quem cochichou a meu ouvido.