28 de julho de 2008

O branco piscar de meus olhos

__Dizia à Teresa, que apesar da raridade de conversas nossas, dos poucos mimos e cheirinhos trocados ao longo da vivência, e quase até mesmo da não essencialidade aparente com que poderia passar um sem o outro, dizia à Teresa “eu gosto de você”, e eu ia dizendo meio dito sem prolongação, seco e pautado como fui, quatro palavras ou pouco mais que isso, querendo tomar o caminho que desaguaria nas sinceras e ursinhas revelações de amizade esquisita e indemonstrada, em praia de acenos e despedidas, a última chance de se cantar as homenagens contidas, choranrindo, “foi depois daquela conversa que passei a te ver de jeito mais admiroso”, “gelado, silencioso e pontual, mas como irmão, é como te quero sorrindo no topo”, “não sei se você de mim, mas eu gosto muito de você”, e muito mais fofonhices abraçais, bobas-mas-sinceras, quando Vitória flagrou red-handed, blink-eyed, o tremelique das pálpebras, o corte no filme, o remendo no tecido, o silencioso gaguejar de minhas virtudes, e anunciou à toda mesa o caráter do crime incontido de fechar de olhos. “Quem fecha o olho pra falar, quer dizer que é falso.”
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__O parceiro que escancara os pontos fracos de seu comparsa, a filha que desmente a mãe perante o tribunal, o sancho que escarnece de quixote quando em sua sanidade, as suspeita levantada sobre a proveniência de rubis presenteados pelo arlequim à princesa durante seu baile de quinze anos, são tantos exemplos, mas tantos tão distantes do assalto sofrido com a acusação de falsidade, que me foi impossível, pois paralisado, dizer qualquer palavra de desapontamento. “Por quê?” “Por que as taxativas travessuras?” “Por que o desejo de arrancar minha pele como uma máscara teatral e apontar em riste à carne exposta, exclamando ser aquela feição a verdadeira diretora que se esconde atrás dos panos, em cujos palcos se apresentam atores amadores que, na apoteose, piscam inorgânicos?”
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__Estando o pai longe de casa, distante da casa das duas mulheres, o filho não teve conversas sujas, másculas ou viscerais. Talvez o pai acreditasse que o filho estivesse preparado e guerreiro, e que seus conselhos e tirações beirariam a tolice de quem, tradicional de passado austero e pároco, aconselha ao jovem a malandragem das vielas de carnaval. Nas iscas lançadas ao mar gelado, nunca um peixe de aflição, felicidade ou sacanagem. A proximidade do lançamento gancho assemelhava-se ao frio intestinal e ao descontrole retal de um adolescente que disca o telefone sem nunca completar a ligação à garota com quem deseja sair ao cinema. De francas, sempre somente as conversas augustas, nunca as ruaugustas, ao filho tanto carecidas; e foi desse ártico de onde o filho aprendeu a disfarçar amores, contornar objetividades, abafar os pulsos.
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__O filho não se lembra qual foi a última vez que disse “eu te amo” à mãe, à irmã e ao pai; prefere as cadeiras afastadas, onde pode apreciar silencioso o banquete familiar; e não sabe abraçar com ternura e sem pudor o amigo que chora ou se alegra. Mas não dizer “eu te amo” não quer dizer que o filho não ame a mãe, a irmã e o pai; a escolha do assento e do silêncio não deveria induzir à conclusão de que o filho odeia a convivência e se cala por desgosto; o tropeço do abraço, ou mesmo o congelamento, não redundam em frieza de alma. Por que taxar de estéril o filho que gagueja, treme e pisca? Por que carimbar falsidade à 'insegurança' de quem sempre 'segurou' consigo os brinquedos mais coloridos, por medo de quebrarem? Por que não abrir o tribunal à palavra das reações psicossomáticas, reflexos de um corpo destreinado, inapto a expor as vontades guardas, hesitante a ceder a chave que abre o baú de rubis mediterrâneos, tal como as pernas que convulsionam os joelhos quando as mãos se esticam para tocarem o inalcançável dedão do pé, ou tal como os olhos que, confusos, bancam os idiotas ao fecharem os portais da alma justo no momento em que a flama invisível do amor desinteressado saltava o abismo do tempo para pousar bela como uma fênix, nos jardins da íris, no buraco negro da retina e nas águas da memória as sementes de sinceridade nunca dantes naqueles campos semeadas?
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__O paradoxo do bom escritor, péssimo orador? Que jorra estrofes de poesia escrita, mas incapaz de modelar uma confissão falada? As flores imaginadas de seus versos são as mentiras de uma realidade pálida? Um excelente redator de manuais de aeronaves, pois o que se eleva é o piloto que não as lê? Pois porra que bastamarras, bastamarras, porque, porque ;0
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__porque no entanto, no entanto, o filho quer voar, quer voar e chegar, sem planejar, sem pensar, quer dizer que ama Teresa, Vitória e Shirlei, que as ama sem ciúme, que as ama de querer bem, que as ama de morder as bochechas envergonhadas, que ama suas peles, seus olhos, sorrisos, dengos e medos, e vai mostrar com simpáticos dentes que no Ártico onde o filho aprendeu a ser o que será-era, os esquimós identificam dezenas de tonalidades de branco, dezenas de branco, e há nesse esquimó dezenas de matizes de branco amor, brancos de quem cresceu na geleira das almas, não brancos de sem-cor, mas brancos de luz, quantos brancos forem precisos, nunca o mesmo branco que dedico a cada uma, hoje o filho só saberia iluminar as dificuldades da exposição por meio de um quadro Monetista, pouco provável que o conseguisse no mirar dos olhos, mas só hoje, só até hoje a pasmaceira, trema mesmo, trema sem vergonha, só hoje o branco é névoa, só hoje, seus queira, porque para elas, o amor delas, especialmente porque graças a elas, Teresa, Vitória e Shirlei, o filho pôs a mão no bolso onde está a chave do baú, o filho estudou largar os brinquedos coloridos no parque, o filho abriu o cu do certinhismo, o filho des(r)ancorou do pólo restrito, e onda a onda, brilho a brilho, vai, filho, vai, pai, vai, irmã, mãe e irmãs, aos poucos vejam que meu sorriso não tem o mesmo branco e muito menos tem de amarelo cinza ocre, que meus tropeços de patinho feio, bem, são tropeços, quem não?, mas eu amo vocês, não se melem, eu amo vocês, venha pai para os trópicos, venha mãe matar a sede de abraços derretidos, venham amigos, venham, com ou sem piscar de olhos tímidos, a flama louca aterrissa no alvo de seus olhos expectativos, o corpo menos tensiona e segura, e mais dança e abraça e afaga, e no fim de tudo, no fim-começo de tudo, entrego-me-lhes em beijos rubis, vocês em eternos quinze anos, eu em eternos arlequins de brancos losangos, cada um sendo uma, tecidas no manto que orgulhosamente ostento, exuberantes como os beijos carnudos que molho nas bochechas desprevinidas de suas tão brancas amizades.
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__Boa viagem. Eu... bem, eu amo vocês.
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5 comentários:

Anônimo disse...

Claucio!
Esse texto ficou lindo, apesar de triste.
Eu quase chorei, por muitos motivos.
Acho que só a Shirlei, a Teresa e a Vitória vão saber o que pensar quando lerem esse texto.
hehe
(Poucos, porém seletos, inspiradores, e com um amor que é muito e que é pra sempre)

É isso.

Mari

Bebê disse...

Esse texto é tão lindo e tão sincero que me encheu de sei lá o quê, que há muito tempo eu não tinha...

Te adoro, craucio.

Anônimo disse...

Eu vim ler de novo, já que você mudou.
Olha, claucio...
Já tava bom o primeiro texto. Você não precisava ter apelado tanto agora. hehehe
Juro, esse texto ficou intocável...deixa ele assim, que ele é a mensagem de amor mais linda que eu já li na minha vida. Amor à vida, amor ao amor, amor às amizades, amor a si mesmo (mesmo com defeitos). Amor que quer ser sentido por completo, pois quer ser sentido do outro lado também.
Eu acho que se eu não soubesse que você escreve, e não lesse o que você escreve...eu ia achar que você era uma pessoa muito fria. Mas você é como uma caixa cheia de sensibilidade. Assim, guardada...

Claucio! Caramba! Eu te admiro muito! Sério...
E bom...eu também tenho dificuldades com essas coisas, mas...eu te amo, claucitooooos!

Beijos
Mari.

ELFO ENCANTADO disse...

Cláucio, meu amigo! Parabéns pela forma de escrever o texto. Parabéns principalmente por ter tido a experiência de expressar um amor sincero por alguém. O final do texto tem poucas palavras que, de certa forma, resume tudo que escreveu (porém, sem desmerecer tudo que escreveu): "eu amo vocês". Dizer "eu amo você" é essencial, apesar de estar banal hoje em dia. Mas, tenho certeza que no seu caso essa declaração não foi banal! Um grande abraço! Evan Magela.

Anônimo disse...

Sua escrita tem os traços dos pensamentos do Cazuza.. bastante complexo.. e profundo.. belo e intrigantemente inteligente.. parabéns.