5 de março de 2006

Amarsoquismo, quis-mo.

__O esquizofrênico, que acompanhava seus amigos por uma caminhada no campo, admirou o trilho de trem que cortava a paz gramínea como um batalhão de formigas operárias.

__— Puta que pariu, não me venha você com essa sua inspiração de novo!

__Um deles era tão racional, que acometia a esses lapsos passionais de seu amigo. Não entendia sua arte, fazer o quê.

__— Calma, dessa vez é de verdade!

__Se alguém já teve um amigo que nunca aprendia a matéria na qual reprovava, então saberá o tipo de problema que este aí suportava. Simplesmente teimava. E pronto, lá estava ele com sua prancheta, lápis e pincel, pronto para desenhar.

__— Vai, vamos esperar. Estamos progredindo, e este é artista.

__O bom de ter um amigo mais ponderado.

__— Mas ele vai matar a cena! Estou falando.

__— Ei, pintorzinho, estamos indo à frente. Vamos devagar, pra que depois que termine, corra atrás da gente, ó-quei?

__E foram.

__Ouviram um apito. O trem logo cruzaria o campo. Dali daquela altura, do morrinho, dava pra ver bem o trambolho de ferro avançando no plano, vindo dum horizonte ao outro. Mas, espere aí. O amigo esquizofrênico ainda estava lá, sob o trilho, sentado em sua banquetinha, pintando!

__— Cuidado, caralho!

__— Saí daí, seu louco!

__À toa. O pintorzinho não se moveu, e continuou a esfregar o pincel, o lápis, o nariz, a boca na tela. Transava com sua criação?

__— Ai, merda, eu falei que ele nunca aprende! Saí daí, porra!

__— (De novo não, de novo não...)

__O louco parou o que estava fazendo, mas voltou a bunda ao banquinho. Apenas ficou a fitar a tela riscada, enquanto os vagões se aproximavam cada vez mais. Pensando consigo, dizia: "Venha. Venha. Venha."

__O atropelamento foi fantástico. No morro, os amigos paralisaram com o "acidente"; estavam longe demais para voltar e salvá-lo. De lá, apenas acompanhavam as quicadas do corpo. Vinha o trem, avassalava-o, lançava-o com sua força e energia à frente, para logo em seguida trombar novamente, despedaçar cada osso do amigo, a ponto de matá-lo de tanta pancada. Só foi parar mesmo quando o trem decidiu mudar seu rumo, e se encher daquele moleque que não fazia nada para impedir sua morte, ou impedir sua derrota, ou nada para se locomover que não fosse à pancada, à força, ou seja, cansou de tocar o bundão. Fez sua curva, sumiu no vale; e enquanto o corpo do menino ficou à margem da mudança do caminho, despedaçado, estilhaçado, depressivo.

__Quando os amigos finalmente socorreram-no, perguntaram inconformados ao ofegante esquizofrênico no que foi que ele pensava enquanto era atropelado por aquele imenso substantivo abstrato, para que não o forçasse a mudar seu rumo, a sair do caminho, a salvar-se. Surpresos, ouviram a resposta:

__— "Sim! Sim! Sim!".


A lava interrogação.

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