7 de setembro de 2005

A Dança dos Elementos

Ígneo. Relativo ao fogo; ardente; apaixonado.

Sim. Também, “apaixonado”.

Terra. Alicerce do planeta. E quem o sustenta? O que fá-lo não se derramar sobre a massa de sangue e luz que é digerida no cerne de nossos ventres?

Meu amado âmago — o berço do eu meu — tinha uma fonte. Que da outra margem do rio sorria calma e paciente. Quando a fonte foi tirada, a estrutura trepidou trambolhosamente. A balança pendeu como com tímpanos disfuncionados. Eram as lavas explodindo de dentro. Era o centro receoso de viver apenas de memória e ilusão.

Claro e escuro? Bem e mal? Branco e preto? (ou vermelho e branco? Ou vermelho e negro?) —Aqui não se completam. São algozes de algozes. O asco do carrasco. Uma serpente que se mutila pelo rabo. Eis eu.

Lava é fogo. Fogo é ígneo. E, sim, ígneo também é “muito apaixonado”. Pode o calor derreter a terra e fazer dela nova moldura, nova estátua imóvel?

Não se houver vento. Este assassino. Este apaziguador.

Régia. Seu meu apelido carinhosamente valorizante. Ela não sabia, mas desfilava. Ou seja, desfilava sem saber que era um desfile. Ou seja, ela caminhava. Para um público de muitos olhos.

Talvez ela notara. Mas silêncio não se enxerga. Olhar no horizonte, para não cruzar com um dos da platéia — que rima com alcatéia — fê-la não reparar que o estrépito silêncio da mente cobria e encobria o sereno explodir de sangue nas veias. Ah!, este sangue corrompido, sem o oxigênio da atitude, sem o titubear dos passos direcionados! Que venosa que é esta flama ígnea que me aquece e que, por encontrar ventos distantes de meu continente natal, também me sepulta. Estes ares de bondade e de vergonha vêm de longe, e correm vinte anos cada vez que o hoje ameaça o ontem. Pois este ainda teme a vitória daquele, pois está cada vez mais próxima, porém cada vez mais quase.

Régia. Que nome cabido: palácio. Eis o significado. E quem será o seu rei? Não eu serei.

Não? Eu, se... rei?

Não! Eu serei.

Não. Eu ser.

Ei!

Pois aqui, no meu reino diplomático, social, bem-educado, há nas fronteiras uma montanha construída durante quinze anos (parada há 5). Foram ventos ultraviolentos de bondade cristã que tufanizaram a poeira e amontoaram-na nos cantos, para que nem meu reininho fosse invadido, nem porém transpassado. São picos de cinzas. São cumes sem cor, vestígios de passados que nunca existiram, mas propagados foram.

Familiares deram-me uma bússola infalível, mecânica, que sempre ao norte aponta. Daí deduzi que os ventos que me afligem são do norte.

Há vezes que o vulcão adormecido no coração deste reino explode e lança partículas de homem acima do topo do Monte Pueril. Pueril, de “pó”? Só assim um pedaço de inconsciência pôde enxergar além da cordilheira circundante de cinzas. E eu, que cri estar sempre à frente, descobri para surpresa, iluminação e desespero que invariavelmente estava atrás da poeira (ignorância é força).

A Dança da Chuva incrementou em mim a fé nas forças divinas e internas, o deus que em mim adormece. A água da turbulência transformaria a montanha em lama. Mas, cuidado!, pois pisá-la movediça é perigo de imobilidade. Estar acima, como águia, seria somente um trabalho para os ventos do Sul, que são de baixo, “baixos”, opostos aos do norte. Graças às asas crescidas da inconformidade, faria transpor as barreiras — fossem raízes morais, fossem mortalhas de grife.

Régia desfilava, para todos. Régia sumia no horizonte, para mim. E as quatro forças se levantavam dilacerantes, sem mal ela saber. Claro, pois quem acreditaria num coração que se diz maior que todos os pares de olhos e maior que todos os corações? Pois o que de menos há são reinados sem muros ou cemitérios. Minha angústia era por ser excluído e, assim, poder — desculpem-me a redundância que vem agora — brincar com terrenos, chuvas, ventos, lavas, e razões, emoções, pensamentos, paixões.

Estados em guerra, territórios em conquista. A dança dos elementos me recarrega.


A lava lava como água à cinza.

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