20 de dezembro de 2005

A manhã.

__Uma fotografia é o registro visual congelado de um enésimo de segundo acontecido no passado. — Afirmar isso, tão somente isso, é o mesmo que dizer: toda água é poça. Por isso, prefiro arriscar-me em outro conceito: que mar se esconde por dentro de cada gota!

__Assim, a “fotografia” que guardo em todas as gavetas de meu cérebro, revela: tal como a criança que foi criada entre quatro paredes — e que um dia foge ao jardim, quando também é surpreendida pela primeira estação presenciada, que é a primavera nascente — diante de tanto novo a criança não sabe por onde andar, ou que canção entoar perante o desabrochar de flores aos primeiros raios de sol tropical. — Ela simplesmente inventa a música de forma desajeitada, contudo verdadeira.

__E se com a aurora evapora o orvalho dormente em folhas, logo vem o efeito da matina, que causa o arrepio, que provoca o abraço, pelo qual as curvas de dois corpos se complementam num tenro e demorado amálgama.

__Dizem os físicos que o calor de um corpo tende a igualar à média para com os graus do outro. Mas não souberam os físicos, e quase lá os químicos, da falha na matrix, que é o efeito gerado acima das temperaturas originais. — Somam-se, multiplicam-se, potencializam-se, infinitizam-se, e tampouco os matemáticos puderam equacionar tal progressão fantástica.

__Tanto tempo que se passa poderia confundir o distraído, que pensaria que aquela cena é uma fotografia. Mas não. — É que nós apenas nos mantemos...

__Vem a chuva à metrópole cobri-la cheia de remorsos trovejantes. Porém, até mesmo ela se encanta, e dá a trégua. Chama o sol, que vem espiar-nos por algumas fendas surgidas na densa massa cinzenta, por onde logo projeta suas cortinas cintilantes, como holofotes até então abandonados.

__E se era cidade? Sim. — Mas a chuva favoreceu-nos com sua presença na madrugada. As águas lavaram e levaram pra longe os ares outrora poluídos, para que respirássemos apenas o que merecíamos: o perfume de nossos pescoços, faces e lábios, tão unos, indizíveis.

__Enquanto isso, sol e chuva, opostos necessários, entram em comum acordo para que ambos presenciem o instante: como ele, admirado, mesmo imponente, não conseguiria brilhar mais que o momento, ela não iria despencar cachoeiras, para não forçar o término da ocasião. — Partem a manhã ao meio, ao mesmo tempo, e com isso nos dão de presente as sete cores do arco que nos determina a aura.

__Novamente pensariam os desatentos que aquela cena fixa e mantida seria uma fotografia. Mas o tempo não se deixa enganar. — “Parece ter passado um minuto!” Ou: “Queria tanto parar as horas!”

__Entretanto, se por um lado ele pode passar por vilão, no fundo somente quer semear a saudade, o desejo; para que não haja apenas uma foto, sozinha e egoísta, para unicamente aquele instante — e sim inteiros jardins, filmes para inspirar diversos outros sonhadores.

__No fundo, o tempo compreende a teoria das ricas gotas d’água: à beleza verdadeira quer uma vasta planície, inteiramente coberta de flores, extensa, crescente e imortal. Quer, para trás, cores de densas lembranças; à frente, primaveras a perder de vista.

A lava lava, lavra e semeia.

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