23 de janeiro de 2005

Maresia e poesia. O ócio é meu sócio.

Descobri que poesia faz bem à alma. O que faz lá dentro, ninguém vai saber — fora o poeta inspirado, que achará palavras para explicá-la —. Mas o efeito colateral mais visível é aquele que faz alguém que a lê querer falar cantando e associando as ‘cousas’ belas e sujas do cotidiano com rimas, versos e declarações dionisíacas.

Fiquei uma semana em Ilhabela, mas sabendo dos momentos de ócio que teria à noite — já que a casa é distante do centro e nem sempre a preguiça me deixa partir para a vila — fui preparado com livros. Como lá na casa de praia tem um rede confortável, seria prazeroso ou, no mínimo, passatempável, folhear algumas páginas. E o que levei pra lá foi o tal novo livro do crítico Arnaldo Jabour, Amor é Prosa, Sexo é Poesia. Comprei recentemente com a Enciclopédia dos Cavaleiros do Zodíaco. Mas para ganhar desconto eu teria que completar cinqüenta reais, e a compra dava 44. Vasculhei o site e resolvi levar, só pra completar, um livrinho de 70 páginas pequenas de Cesário Verde. E para surpresa, lá em Ilhabela foi esse poeta, o que serviria somente para ganhar desconto, quem mais ocupou o meu tempo de leituras. (Lá na praia estava chovendo, calma.)

O cara é tão poeta que ele se recusa a escrever em prosa. Curioso é que essa discussão ‘prosa versus poesia’ já é um “tema” do Jabour — mas coloco entre aspas porque na verdade é um livro oportuno, uma coletânea de textos que falam sobre tudo, inclusive sobre amor e sexo. — O Cesário diz assim em Contrariedades:

“Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.”

Era tão obstinado por isso que há poemas em que ele quebra totalmente o ritmo da frase e do pensamento só para caber em versos. E o conteúdo pode ser até no estilo narrativo, pois é, pois é, pois é! Eu imagino-o pedindo a alguém que busque carne no açougue:

Eu preciso de galinha, então faz favor pra mim:
Compre o quilo de maminha, e se lembre do cupim.


Devia ser engraçado. Mas para bolar tanto, ele com certeza dispunha de muito tempo. — E eu, com o tempo chuvoso de Ilhabela, não pude aproveitar a praia, mas pude navegar por sua poesia, e aí fiquei inspirado e escrevi três ou quatro textos desconexos que, por serem sem pé nem cabeça, não caberia em prosa, eu acho. Fiquei com o ritmo querendo pulsar minhas falas, minhas emoções, e cheguei até a escrever um poema. Mas o que mais me encabulou foi o seguinte: será que essa capacidade de criar vem do ócio? O tal ócio criativo? Porque, sem fazer nada, veio-me à cabeça muita coisa. Mas no mês de novembro não houve nada, pois com faculdade e trabalho não tinha tempo sequer para respirar; então será que a beleza da poesia e da felicidade é proporcional ao tempo que temos a nós mesmos?

Seja qual for a relação, acho que sei de uma coisa: eu prefiro escrever de amores, paixões e o nada que eu aproveitei do que escrever sobre tudo o que não tive, no futuro, quando tudo não tiver sido aproveitado.

Voltando à primeira pergunta, P
or que a poesia faz bem? — Casamento com amor é confortante, mas experimente casamento sem sexo. Deve ser triste. Assim como a vida que passa sem poesia; pois poesia está além do que é conhecido como versos-e-rimas-e-figuras-de-linguagem. É tudo que vem de dentro com sinceridade nem pudor; e lá em Ilhabela eu lembrei que sim, há vida além do escritório social; — chega de amores por algo que não é nosso! Sexo rima com perplexo e complexo, mas também com reflexo e conexo.

E pra não acabar sem um trocadilho, digo que se sexo é poesia, quem faz poesia é poeta; quem não faz é poeteiro.

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