28 de maio de 2006

Universo pela tangente.

__"De que mundo você é", perguntou alguém.
__Na primeira vez que ouvi, custou-me a entender o que aquilo significava. De primeira, pareceu um insulto. "Sou estranho assim?", pensei, e depois responderia dizendo "Do mesmo que o seu!", mas sem sucesso; então, desisti da idéia. Tive que me acostumar até saber que a pergunta poderia ser também um elogio. Hoje, eu assumo que devo ser um alienígena, pelos mil motivos que percebam os outros dos outros e de meus eus.
__Existem, no entanto, estranhos por toda a parte. De muitos mundos. Sei que, de todos os planetas, sou do mais distante. Aquele que completa a volta em torno da verdade com mais vagareza que qualquer um. Vago transladar. O mesmo acontece para a volta em mim mesmo. Muitas vezes, por ficar de costas para a verdade — acreditando na sombra como a grande boca que vomitará a qualquer momento a outra verdade, escondida atrás das estrelas — deixo passar por mim meus vizinhos, minhas alegrias. Quando me volto, lá está ela, fugindo de mim, correndo atrás de si mesma. Sou um mau — com U, mesmo —, um mau distante.
__Outras vezes, já estou pronto a recebê-la; porém, fico distante, o que me faz, se no mesmo pique dela, ficar para trás na translação de nossos espaços tão vácuos. "Que pena", dizem, "por seres tão lerdo, e por ser tão ligeira". Os corpos se despedem, apesar de manter o fio da reta invisível dos olhares no mesmo campo gravitacional.
__Cada planeta com suas afinidades.
__Todos, por uma ou outra vez, cruzam a linha que me separa da verdade luminosa, que aquece o dia e sombreia a noite. Tal cruzamento é o eclipse. De repente, não se vê nada no céu além de suas formas e os fios de ouro tangendo seus contornos, como se aquela fosse uma enviada de outro mundo, caminhando centralmente em minha direção, com um único objetivo de me fazer esquecer a ofuscante verdade — o sol, e sua monarquia cotidiana das voltas e voltas sem sair do lugar. Ah, mas que pena!, quando já se está cego de admirá-la, o instante do tempo se move, e lá está ela, a verdade, novamente a cegar-me, e os fios dourados se tornam jorros de luz, queimam a face — a cicatriz que não é nada, foi queimada pelo sol —, e as suas curvas distanciam, partem à frente, dão adeus, e a corda de seu olhar se mantém esticada, até que a curva do trajeto de seu planeta complete seu arco, deixando-nos, dois mundos de diferentes ritmos, opostos pelo sol; e o fio invisível queima na chama do centro, que, ironicamente, é a mesma chama que mantém os planetas unidos e no mesmo anel de luz.
__As afinidades são como bons perfumes. Quando seu mundo passa pelo meu, seus braços invisíveis puxam-me pelo olfato, extrai-me o peso do corpo, faz flutuar nos ares, onde seus dedos também flutuam, deixando seus rastros de mulher. “Passou por aqui uma flor.” De meu mundo tudo é visto, e aqueles seres cujo perfume arrasta-me pra fora de órbita, têm vantagem de anos-luz. Mas, como já disse, para deixar ser levado, é preciso estar de frente e não ter me virado em busca de outro lado. Neste caso, o "caso da curva de concha tímida", resta sempre aquele velho e empoeirado telescópio, que me faz sonhar perto dela. As lentes marcam meu olho, por colar a face ao tubo; isso porque quero para sempre uma visão tão próxima e não ter que voltar à vista das luzes da verdade — que cegam aquele que busca tais planetas, pedidos no espaço, no tempo e no vácuo. Que tristes são os intensos desejos de diferentes ritmos!
__Uma semana de caos. Há muito tempo, dele surgiram as formas.
__Uma semana onde as criaturas e criadores inverteram seus papéis. As formas geraram caos, e agora se espera o que ele novamente parirá.
__Caos. Possibilidades. Surpresas. Inesperadas. Multiplicidades para longe do óbvio.
__Quando passares, deixa-me aspirar as rosas de teu pescoço, ainda que, ao tocar-te, arranhes meu peito. Quero gravar o teu cheiro, e guardá-lo numa caixa de Pandora. Quando minha vigília apaixonada ceder ao sono da espera, se passares por mim de soslaio, meu instinto latente despertar-me-á ao sentir as narinas puxadas pelos dedos de seu perfume, que me inspira quando o inspiro, desse mundo que me aspira quando o aspiro, e que me agarra pela aorta.
__Coração dividido, quem tem dois sóis não percebe os planetas que nos tangem. Deixa que o próximo eclipse não seja o solar, que este aí cega. Que venha o eclipse dos olhos, que se fecham à órbita das bocas unidas.
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A lava lava e estoura, até que o brilho seja visto através da verdade.