30 de junho de 2008

Sendo sido

Perguntaram
quem sou eu.

Quem cê é.
Quem sou eu?
Se era, é.
Se era, sou?
Se era se.
Se ero se?
Se se era...
Erô-se...


Sendo sido! — respondi,
clareando confusão.

Expliquei:

— Tem quem se é sido
No rio é levado
No outro erguido
Casa em casado

Conselho e bedelho
Postura e futuro
Misso e compromissa
Segurança poupadinha

Melhor não arriscar

Tal o sido:
Vida particípio
Vida passivo
Pouco d'eu participado
Objeto implicado
Cado sem cador
Cado sem cante
O eu que fuiado

É o que tem pra hoje:
Determinado

— Mas também tem
quem vai sendo
Quem vai indo
Quem vai testando
Até se ferrando

Herói vai que é
Arrisca-petisca
No sonho belisca

Não sem-juízo
Ou louco em telha

Pra ser sendo
Tem que tecendo

Lutando e suando
Às vezes só ouvindo
Mas sem se ouvir:
Só cheirando

Mais que creditado:
É acreditado
E, palpite, só coração

Infinito infinitivo
Quem tem fome d'irindo

É o que tem pra amanhã:
Existando

Se sou pró dum um
Ou próprio doutro?
Não faço lado
E nem faço lindo.

Tou sido sendo
Sou cedo sindo

— Segurância, é:
Escuto sim vários ois
Escolho sim meus bois
Sem olhar sim depois

Tornei-me naquele dia que fui, e
Onde fui me tornaram assim.
O que sou é o tornado, que
Começou quando fui-me pra mim

(Gira gira
corda cobra
come o rabo
do sem fim)

— A gente se torna assim:
quando torna sozinho vezes quando tornado no caminho

Do particípio não nego:
Participo
Pro infinitivo mils deixo:
O infinito

Tenho parte dos que me contam
Idem pros que me bem-vindam
E principal dos que me encontram
Desses eu que me vêm indo
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9 de junho de 2008

Tartamuguear

I. Do elo

Vertem dessa fonte dois poemas bem distintos
Nada que é dos pólos, da razão ou dos instintos

Livre flui sai sim nem penso, vem sem denso
Ou nem vício
O pensado... jaz pré-tenso e, pois pretenso
Nem o início!


II. Unidos do Caeiro

Mendigando palavrinhas
Qualquer uma serve pra mim
Quem centavo passa o dia
Um ganha-não, dez ganha-sim
Mendigando palavrinhas
Qualquer uma serve pra mim
Quem centavo passa o dia
Um ganha-não, dez ganha-sim
- quem disse?

Quem disse que poema é chorar?
Quem disse que poema é sofrer?
Só choro quando falto em falar
Só sofro quando falta prazer
Quem disse que poema é corar?
Ou sofre pruma rima a valer?
Só coro quando falto em falar
Feliz quando minha rima é você
- eu sambo!

Ah, eu sambo no verbo
No faro
No
lero
Ela volta pra mim!
Malandro, gatuno, gaiato
Oportuno do mato

Pinga nimim


III. Ais, ais, ai-ais, teria chegado a hora

O meu medalhão que ornei
Não creio que esteja tão... tão
Ninguém tem um trocado pra Reis
Perdi o meu valor na inflação
Aquele tal verbo que há
Já houve, não haja mais
Ô, verso, que da boca virá
Vê se me desemboca os meus ais

Que palavra esqueci ferida?
Qual linha me foi roubada?
Verbadeputaparida
Ou seria... saudadada!?

Saudadada!...

IV. (colocar o título depois)

Nem lembro o que ia dizer
Que fez-me o poema abrir
Dá nisso, no meio ir dormir
Quem vai poder me ajudar?

V. Saudadada





__Ah, não, chega. "Saudadada" é forçar a barra. Suspende o samba. É o fim. Chega.

__O fato é que eu quis exprimir a contraditória situação que encaro toda vez que sinto o santo e sento a pena. Mas dessa vez, não deu. É mania minha de querer fazer Bilacs o que poderia muito bem acabar Andrades. Por causa dessa burocracia poética, tá lá, o meu caderno de anotações, empilhando pensamentos enquanto o tec-tec não escoa tal demanda.

__E não é repressão, não. Eu queria fechar o texto, seja poema ou prosa, de uma forma que ficassem bem entendidos os grandes temas que carrego, temas que, sem coragem que me faça escrevê-los, ou à espera pelo "momento certo", apodrecem — e a matéria pesa, quando morta. Pesa porque, quando resgato os rascunhos faiscados no caminho ao trabalho, escola ou sono, eles já não estão mais lá. Ficam as palavras, morrem as intenções. E plástica por plástica, palavra por palavra, prefiro não dizer.

__Talvez seja repressão: é proibido errar!

__E não dizer arrepende. Então tento. Então forço. Então abandono. Talvez seja disso a causa deste blog empoeirado, vulgo "laboratório literário" do cara que, puxa!, escreveu tão bem sobre o seu nascimento humano em 1984 e tão mal sobre a morte de um poema na bandeja forno de só uma cabeça, que é carente de tempo e gás.

__Diferente das poesias que brisam. Eu escrevo, pá, nada espero, e pronto. Sem pretensões, flui. Não digo que são primorosas, ao contrário: só me recordo daquelas que arquitetei com afinco. Mas também, essas "menores" não deixam estancar a veia que, acredito, tenho de poética.

__Um medalhão de ouro tanto custa a vigília, mas o tempo, a rotina, o pramanhã, o frila, são todos gatunos desta sociedade que te rouba numa escapadela.

__Já o centavo que tanto circula, perde um, ganha outro, nunca falta à mão e com ele pago minhas cervejas, com ele ganho minhas noites, às vezes beijos.

__Numa metáfora ridícula (porque me faltam sacos) digo que o valor vernaculal, o valor da idéia, só rende quando aplicada num fundo de investimento. Se deixar na poupança preguiçosa, o máximo que vai conquistar é um duvidoso sucesso póstumo.

__Das poesias que criei sem compromisso, nada lembro do quê, quando ou como. Esqueci! Por outro lado, aquelas que ainda guardo debaixo do braço, despertam-me no meio da noite, durante o trabalho, na ida pra casa. São fantasmas de idéias que deixei morrer por descuido. Não querem pensões. Querem justiça. E o que sou? Fruto daquilo que fiz, do que já nem lembro? Ou fruto do que não fiz, mas que apodrece na memória dos poemas mortos?

__Às vezes alguns namoros morrem porque arquiteto encontros, sensações, conteúdo. Fica plástico, mi-mi-mi, mu-mu-mu, mó-mó-mó. Tola expectativa: acredito que assim serão "memoráveis, imortais", de vez em quando um verso livre, sem rimar, pra não estancar a tinta, e blá. Mas o fluxo, o fluxo romântico, se assemelha ao dos poemas do caderno. Murcham de tédio. Desalinham de esquecimento. Envelhecem no asilo. Talvez ganhem sua vez, mas tal burocracia só os libertará postumamente, enquanto, inútil, hoje dedico meu tempo livre a tartamuguear.
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