4 de outubro de 2007

Vampsi

Sibile

Respirar ofende.

No entanto, o transporte penetra a rodovia e rasga o silêncio cerimonioso da madrugada. Corta e penetra o âmbar, motor acelerando no vazio e depositando cá e lá homens de cachacinha. A caravana repleta de torcedores dum jogo de futebol. Extasiados, comentam e terminam as latas. A cerveja transpirada, o bocejo contido no riso.

Pedaço dele na noite, pedaço de noite nele, isolado ao fundo dos bancos, de figurino, alheio ao que se passa e de olho no silêncio de fora. O vidro o reflete. Ele dentro, ele fora, a contemplação do nada, o motor e os gargalhos o ofendem. A velocidade lhe corta os pulsos.


Nossívago

Meio relógio circulou até que avistasse o derradeiro, o corujão. O assassino quase o deixa passar; um pouco de si neste sangue nos olhos; mas ouviu a súplica das pernas.

Subiu tão taciturno que não se sabe: se a noite a ele, ou ele a noite, quem a quem fagocitara.


Sifônico

Track search, play, stop, track search, play, stop. A busca de uma canção que combinasse. Nada tristto suficiente. Na rádio achou algo para escorrer. Veio dos campos cujas parabólicas do ouvido custaram captar.

Mas, ao final, devaneios são sinfonias completas.


Off.


Sima

Beija a garota com volúpia, mas não se entorpece. Não se exalta, inebria ou fulgura. Beija por vingança.

Beijá-la o chicoteia.

Não é feia, é linda, é maravilhosa. Mas "se vinga-se" enquanto fode a própria brincadeira; chupa-a, ela fica sem o sangue, que é dele, e quanto mais tenta fugir, mais o deixa nela afundar, ela, que tenta sair, mas ele, que nela afunda, ele é o mangue.

O fim é preciso. O desfecho dessa noite é preciso. Busca vidros embaçados, ou escorrendo de calor. Gozar é o ápice de seu açoite.

Sofre, sofre quando expulsa o gemido final. Não é por ela, ou melhor, não é por esta, é por outra. O corpo desta é seu chicote. E a extrema unção deste delírio em par se esvai quando o coito razões extingue.

Ele a quer vaporizada.

Seu corpo perfeito, seus olhos de amor o enojam. Pudera ser porra um ácido que a corroesse por dentro e a extinguisse, da mesma forma como já o extingue por dentro, o corrói e o desespera por não ter sob si quem cuja companhia ele anseia experimentar.


Ansia

Entre os vampiros, há o provérbio que adverte desprevenidos ante flechadas de prata:
Vampiro sente ânsia
quando em mulher qualquer escoa
Perigo é se no sem-distância
Lhe encanta ficar à-tôa

É qualquer o tipo da vítima que arfa sob sua cobertura. Enquanto a sucure, pune-a. Pune-a sem que ela o saiba. "Goza, goza, garota, e aproveita seu último segundo."

"Morre feliz..."


E não.

A erupção. Os níveis subindo.

Coxas bambas, joelhos moles, batatas contraídas, sola dos pés formigando; diafragma exausto, coração tum-TUM-TÁ, pulmões taquicardíacos, boca a baba, mãos formigando, pupilas cegas, rubror.

Cai exausto sobre ela; ela ama-o gesto; este se lembra quem afoga.

Seu gozo jorra a lembrança de quem deseja. Um desejo à-tôa. Um desejo perdido, alguns anos atrasado. Ela com outro, ela sorrindo com outro, e ele com esta, que está sorrindo também, como se fosse à-tôa, como se fosse a outra.

Esta, na cama, o chama. Chama, chama, ele não vem. Chama acende seu cigarro. É mais uma faísca na madrugada metropolitana. Nu, queria voar, se lançar. O vento apaga a bitoca e ainda assim ele traga. Radar, procura aquela. Procura seu carro. Procura quem seja. O som abafado da avenida chega ao parapeito do décimo segundo andar; o filtro chega ao térreo, pouco antes da consciência abandonada.

Já calçado, pisa sobre o cigarro há pouco lançado lá do alto. O chuveiro ligado engana a garota que espera em concha pelo seu abraço.


Pênsi

Uma liga, xinga. Deixou-a esperando.

É verdade, a agenda marcara.

Pensar com o pênis, na conveniência, no glamour etc. é fórmula garanha. Mas a agenda foi guardada na gaveta há duas semanas. A verdade é que só esta ligou puta. Podia mais. As outras engoliram a seco. A administração rotineira rui perante a crise: a recusa da agenda. Não há calendário datado quando a preferência é por aquela, e só aquela.


Sila

Noutro dia, noutra nova, não aquela.

Cocotas passam por ele, seu gozo de suplício não.

Lágrimas delas, escorridas no ofego. Ele também chora, mas não é de gozo, nem por elas.

Poderia ter aquela como qualquer outra tida, no entanto chora o gozo das tidas porque daquela prefere a escolha, não a captura, não garanhatida.

Resta beber lágrimas, as suas, junto ao sangue sorvido no pescoço de suas vítimas.

Quando a vítima é si de si.


Sina

Louco e indeciso, sem nada nas mãos, Davi desafia Golias num campo secreto. O gigante, conhecido de longa data, seguro e garantido, mal sabe do oponente.

Cego, cego, segue o cheiro. Coração de inteligente é um burro soberano.



Tolhe

O caminho pulado, resta-lhe sua companhia noturna em páginas sangradas. Devaneios sinfônicos, suspiros solistas, cismas sísmicas. Fim de uma noite produtiva e calcinada.

O vampiro se deita. Cruza os braços e adormece. Repleto de sangue estaria, caso a velocidade não o esvaziasse. Água também lhe falta.

Cobre-se com seu firmamento negro, inspira o silêncio, submerge na deriva de sua cíclica condição.


Respirar ofende.
__
__

Flor que cai

Amor, realeza
Flor que morre, em seu ramo
À poda dum amo
__
__
__

__

2 de outubro de 2007

Reflexões da sarjeta

A arte é inútil, mas faz bem.

Viver sem arte, dá. Viver com arte, idem. Não se será mais livre, nem se comerá do melhor; nem das melhores.

Pra se viver dela, e não só com ela, é preciso duas opções: ou ser encaminhado, ou suar.

Quem conhece o fulano, ciclano e beltrano, vai ser o artista... dos anos.

Sem tio na área, nem amigo, nem tostão, soldado... é flexão!

O engenheiro tem que provar que é bom de cálculo. O advogado, de retórica. O carpinteiro, de mão. A modelo, de bunda.

E o artista? A arte prova, além de ser provada?


Qual o papel do artista, senão criar, criar, um verbo intransitivo? Sem pra quem. Sem pra quê. Sem o quê. O universo é uma gororoba. A humanidade é indigesta. Não se será mais livre, nem se comerá do melhor; nem das melhores. Mas talvez perceba os temperos da cozinha. A arte seria, então, o tempero? "É tudo o mesmo, mas o gostinho que me dá..."

Bom, ruim, pérola, bosta... Não ao maniqueísmo! A unanimidade é burra e a democracia, a audiência é prova viva; amigos tendem a entendê-lo; e os que pouco gostam se arriscam em cair no pedantismo do obscuro pelo obscuro.

De arte pela arte, já tivemos o Dadaísmo pixando, e medíocres sendo aplaudidos por (p)almas buarque-de-holandamente cordiais. (Respeita. Se apareceu na TV, é porque é bom).

Se todos os teus trabalhos não aliviam a inquietação, hás de ser artista. Ou problemático. Não excludentes.

Um eterno duplo sentido.
Sem tido.
Sen... tido!

O papel do artista é criar, criar, verbo intransitivo.

Seu papel acaba
quando acaba o papel
__
__
__
PS: postagem número Se tenta.